domingo, 19 de maio de 2019

Ars Dictaminis 5

Desde que o drama alemão moderno aprendeu a enxergar seu objeto na política, passou a ser manejado como truque de consciência. No prólogo de Schiller ao Fiesco lê-se: '' Se é verdade que o sentimento desperta sentimento, então, parece-me, o herói político não poderia ser tema para o palco na exata medida em que precisa desfazer-se do homem biográfico para ser herói político(... destrinchar da excessiva humanidade dos tempos o frio e estéril drama do Estado e precisamente nisso vinculá-lo de novo ao sentimento de humanidade --- envolver o homem biográfico pela sua boa cabeça política --- a emprestar da intriga engenhosa situações analisáveis  para o público. Isso sim cabia a mim!''. No entanto, mesmo naquela época, e mesmo sendo Schiller, tais construções estéticas não logravam serem apreendidas pelas pessoas como motivações humanas. Até hoje, por sinal, em arte , o Universal triunfa sobre o Existente através do seu próprio conceito, e por isso a força do mero Existente sempre ameaça recompor-se nesse triunfo a partir da mesma força que o rompeu. Muito do que a crítica marxista especializada dos anos 1960 descobriu na mídia de massas como ''mecanismos de coerção e cooptação'' provém desse deslocamento de 'forças espirituais' no interior da sociedade. Pois nesta, tudo fica subsumido às fases econômicas principais e decisivas historicamente em cada caso e ao seu desenvolvimento: o pensamento todo tem algo daquilo que artistas parisienses denominavam  ''le genre chef d´oeuvre''. Que o maior desafio resulta justamente do rigor daquele desenvolvimento; que esse rigor se vincule justamente à dominação --- tudo isso no mínimo não está explícito naquela teoria crítica que, como a tradicional, também espera a solução do avanço gradativo. Rigor e totalidade, os ideais do pensamento burguês de necessidade e universalidade, delineiam com efeito a fórmula da história; porém é por isso mesmo que nesses conceitos imóveis e engrandecidos pela dominação se sedimenta a constituição da sociedade, contra a qual se dirigem a crítica e a prática dialéticas. Quando nos voltamos detidamente para analisar o que restou do caminho, como queria Benjamin, nos deparamos, de certo modo, com seus resíduos e pontos cegos, que escaparam à abrangência de nosso enfoque. Quando a teoria crítica é aplicada ao caso dos despercebidos, torna-se mais fácil apresentá-los publicamente como derrotados ou atropelados pela dinâmica da história, quando eles mesmos não se dão a esse trabalho. Mas, como vimos no começo de meu artigo, trata-se mais de um truque de má consciência, capaz de politizar, com graus de eficácia variados, todo e qualquer pólo de uma determinada situação onde hajam interesses em jogo. Na identidade de cada indivíduo consigo mesmo transfere-se do conhecimento ilustrado para o plano da discussão ética o postulado da verdade incorruptível junto com a glorificação dos fatos, sempre que a substância do ego cai vítima de aparências que não a protegem, sejam políticas, econômicas ou sociais...

K.M.

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