domingo, 30 de dezembro de 2018

GLOSSES

Exatamente. Eu comecei a entender feitiçaria nos termos da idéia de interpretação [glosses] de Talcott Parsons. Uma interpretação [gloss] é um sistema completo de percepção e linguagem. Por exemplo, esta sala e é uma interpretação. Nós reunimos juntos uma série de percepções isoladas . chão, teto, janela, luzes, tapete, etc . para compor uma totalidade. Mas nós temos que ser ensinados a dispor o mundo junto desta forma. Uma criança experimenta o mundo com poucos pré-conceitos até que é ensinada a vê-lo de uma forma que corresponde à descrição que todos compartilham. O sistema de interpretações parece um pouco com caminhar. Nós temos que aprender a caminhar, mas uma vez que aprendemos ficamos sujeitos à sintaxe da linguagem e ao modo de percepção que ela contém.
Carlos Castañeda

ENTREVISTA DE CASTAÑEDA PARA A REVISTA PSYCHOLOGY TODAY, 1972

sábado, 29 de dezembro de 2018

A PREPONDERÂNCIA DO PEQUENO, Segundo o Hexagrama 62, do I CHING

Relações invisíveis (GUÂ)
para o olho destreinado.
Por limitar-se comprimindo-se
ao menor grau, o PEQUENO
faz sua PEQUENA ULTRA- PASSAGEM. 
Exerce-se influência insistindo, mas só em 
alguns assuntos restritos. O OSSO,
aparentemente, suspende-se
à cada polidez, para além da dentada;
vai afiando o pensamento, pré-
parando a aresta, o corta-luz
aceso na Pedra Filosofal,
próximo ao medo do motor
(instável centro do mundo
fulgurando no espelho pessoal);
e entrando pela noite afora
na trilha para a voz-manifesto.
O MALEÁVEL  atinge o CENTRO,
aure benefícios em pequenos assuntos e
mira-se francamente no espelho.
PREPONDERÂNCIA DO PEQUENO.
Sucesso: terra virgem parindo
felicidade em assuntos restritos.
A energia está alta, mas não
será gasta inutilmente... POR NADA!
Absorvido em abonos inesperados,
o Grande Homem não se desperdiça;
Ele não desperdiça nem mesmo
seu olhar, fixo no espelho pessoal.
A limpa baba de Deus, NÃO
se transformará em formalismo vazio
e subserviência cacete de pet.
ACEITAÇÃO. A voz-manifesto,
operária-vinculante do CENTRO,
arrola testemunhas exigentes:
catastrofistas e moscovitas;
gendarmes e prostitutas;
otimistas e abstênios;
sacerdotes e tarifeiros;
exorcistas e homossexuais;
vendidos e insubornáveis;
filhos-pródigos e detetives;
Borges e Sábatos;
pirotécnicos e bombeiros;
feministas e moralistas;
aquarianos e taurinos;
profiláticos e revolucionários;
virgens e impotentes;
agnósticos e monges;
imortais e suicidas;
franceses e não-franceses ---
E DIZ: ''Tudo é remediável!'',
mediando a maravilha humana
com um exército de des-
maravilhadores engajados.
Suja por seu sentido de cautela,
a PEDRA FILOSOFAL passa mal
no laboratório do alquimista.
Acima da MONTANHA há um
TROVÃO. Assim o Sábio
PREPONDERA EXCEDENDO-SE
em suas ''restrições'': nas necessidades,
excede-se pela economia;
no perigo, pela cautela;
no AGIR, pela NÃO-AÇÃO.
Após a incrível energia
gerada pela confiança interior,
deve-se BAIXAR A BOLA
e fugir da CONTRA-MÃO, 
correndo entre os carros opostos
que queimam o asfalto político.
O sangue culto resiste, duramente,
limitando-se a metas humildes.
Cara a cara, repetindo no espelho
O POSICIONAMENTO DO COMEÇO,
o MUTANTE  avança com discrição
em sua META-MORFOSE em
constante RE-CAPITULAÇÃO.
O Grande Homem fixa sua atenção
no DEVER, mais direta e detalhadamente
que o homem comum. Sua CONDUTA
soa mesquinha aos olhos do mundo,
mas Ele está consciente de seus atos.
Sabe que logo sobressairá novamente
aos olhos do povo, COMO ALGUÉM
EXCEPCIONAL. PÁSSARO NO NINHO
ATÉ EMPLUMAR-SE. Versões,
sinais diacríticos, interferências
invisíveis ao olho desarmado.
Microscopia indecifrável de revisão
gerando alterações num código secreto,
enquanto computadores in conserva
comem proteções de tela parnasianas,
se perguntando que tipo de dívida
cobre o país com insinuações de paz
(inconsútil, o I CHING simula aqui
um dumping virtual, sob o CAMPO 
MONITORADO DA GUERRA).
Medidas extraordinárias (no entanto)
só devem ser tomadas
quando não há outra solução.
NENHUMA CULPA. O Poeta
funciona apenas como representação
técnica desligável, usada por
ícones de serviço (sonoplastia
de ruídos, e sustos curtos sob
o CERCO DAS ATORMENTADAS).
Alvo do maremoto, a NATUREZA
é alvo e flecha de seu próprio instante,
das margens de risco que o mapa
permite automaticamente, com insultos,
sugerindo paralelos com o dia intransitável.
RÚHÉ: ''É como o que? COMO
É?COMO É QUE É?!''.
Difícil de traduzir isso
do chinês clássico. Vide Pulleyblank.
Malabaristas do mal-estar?
Seis na sexta posição significa:
''O Pássaro em seu vôo o abandona.
INFORTÚNIO! PREJUÍZOS!''.
Deve-se assumir uma atitude modesta,
e instalar todos os seus desafios
numa hemo-teca inexpugnável,
onde o silêncio interno haja coagulado
até transformar-se em boas notícias.
Lá fora, os outros compartilham
a DOXA no limite dos fatos.
Pensar (para eles) não é rentável,
aquém de todo cálculo e chafurdando
na ilusão da autenticidade,
não se previnem, e são atacados;
desconhecem (misrecognize) o 
ARBITRÁRIO, a SÓCIO-ANÁLISE e as
FORMAS POLÍTICAS DE AUTO-TERAPIA
(tudo aquilo que obriga a pensar
com a própria cabeça, a medula
intelectual das NOVAS FORMAS,
a fórmula das NOVAS MONTAGENS e
NOVOS CÓDIGOS DE LEGITIMAÇÃO,
seus embates e encaixes).

K.M.

BIFURCAÇÕES POSSÍVEIS

Bifurcações possíveis do Caminho.
Escolhas de ações e as crenças
políticas dependentes da mídia, 
o conjunto dessas escolhas
re-posicionando, re-armando
o tabuleiro caríssimo das ilusões.
A posição que ocupamos aclara,
torna visíveis certas escolhas,
invisíveis outras, moldando a Visão.
Visível não quer dizer viável,
relevância de toda emboscada.
Há disposições, tendências de escolha
e afinidades eletivas do HÁBITO
nublando nossa acuidade virgem.
Estruturas fixas diante do FLUXO 
CONSTANTE da CONTRADIÇÃO.
O PARADOXO dos CHIQUES?
Nossas disposições evoluem,
duráveis, por meio de paisagens
de ACORDO transpostas. CON-
TEXTUALIDADES IN-CORPORADAS
SUBJACENTES ÀS AÇÕES; A
NATUREZA ATIVA DO JOGO
DESENVOLVE A NOÇÃO DE ESTRATÉGIA;
A ILUSÃO DO FUNDAMENTO
NO CAMPO DE LUTAS
IMPROVISA APROXIMAÇÕES,
CULTIVA A HESITAÇÃO DOS ATORES;
ESPELHISMO MAXIMIZADOR.
ESTADO: ARMADO DE DISPOSIÇÕES,
DESARMADO DE APTIDÕES.
AS CONSEQUENCIAS TOTAIS
SÃO UMA SOMA CONFUSA
DE PONTOS DE VISTAS FANTASMAS,
ONDE INTERVÉM SIMULTANEAMENTE
TODAS AS NOÇÕES DE VELOCIDADE,
RITMO DAS REGRAS NAÕ-ESCRITAS.
SENSO DE JOGO versus
ESCOLHA RACIONAL. É preciso...
falar de regras(?) Sim e não.
Jogo in-corporado, transformado
IN NATURA, além da
POSIÇÃO HERMENÊUTICA;
além do EXISTENCIALISMO
ACIONÁRIO, além dos
AGENCIAMENTOS e
TERMOS LÓGICOS DE ANÁLISE
e FENÔMENOS RETIFICADOS e
EXPERIÊNCIAS DE VIAGEM
NO SISTEMA e RELAÇÕES ENTRE e
MUITO MAIS, além.

K.M. 

Visita interiora terrae rectificando invenies occultum lapidem

Visita o interior da terra, e retificando encontrarás a ''pedra gerencial''? No sentido mais amplo de administração e política corporativa, essa alternativa sugere uma bifurcação neogerencial dentro da direita americana, com o gradativo reconhecimento de certa necessidade de ''ajustes imediatos'', resultado de obstáculos ao crescimento da economia acumulados nos últimos anos.  De volta ao centro do palco, o deus ex-machina das políticas de crédito parece realmente retificado, no novo ano que se inicia, sem, no entanto, reconhecer a natureza social das relações ocultas que o ''iluminam''. As classes capitalistas americanas talharam na pedra sua classe gerencial, buscando tornar suas práticas cada vez mais ''intuitivas'' (liberadas de compromissos excessivamente referenciais). A criação de valor dos acionistas não poderia mesmo continuar sendo  objetivo exclusivo da administração, e as políticas se resumiram à busca de eficácia sem compromissos programáticos. Não existem razões intrínsecas para um ''compromisso'' (entre aspas) feito no TOPO. O novo equilíbrio de poder é gerencial, e altamente favorável às hierarquias de renda. Alguns requisitos teóricos podem ser atirados à mesa para ''inspeção circunstancial'', como a limitação do consumo, a substituição de importações, a degradação de termos de intercâmbio, a restauração das tendências de acumulação interna e a correção do desequilíbrio do comércio externo. Mas nada indica que as classes altas se sujeitarão passivamente aos termostatos de tais disciplinas. 

K.M.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Point de perfection...

Em torno da metade do século XVII , aparece na sociedade européia a figura do ''homem de gosto '' , isto é , do homem que é dotado de uma faculdade muito rara  e particular , quase de um ''sexto sentido'' ---- como inclusive se começou a dizer então ---- que lhe permite colher o ''point de perfection '' característico a toda obra de arte . Os ''caracteres'' , de La Bruyére , registram a aparição de tais personagens como um fato doravante familiar ; o que torna ainda mais difícil , para um ouvido moderno , perceber o que haveria de insólito nos termos com os quais é apresentado esse desconcertante protótipo do homem estético ocidental . ''Il y a dans l ´art '' , escre La Bruyére , ''un point de perfection , come de bonté ou de maturité dans la nature : celui qui le sent et qui l ´aime a le goût parfait  ; celui qui ne le sent pas , et qui aime au deçà ou au delà , a le goût défectueux . Il y a donc un bon et un mauvais goût , et l ´on dispute des goût avec fondement ''.

Para se alcançar a dimensão correta dessa figura , é necessário dar-se conta de que , ainda no século XVI , não existia uma clara demarcação entre bom e mau gosto , e que interrogar-se , diante de um obra de arte , sobre o correto modo de entendê-la , não era uma experiência familiar nem mesmo para os refinados comitentes de Rafael ou de Michelangelo . A sensibilidade daquele tempo não fazia grande diferença entre as obras de arte sacra e os bonecos mecânicos , os ''engins d´esbatement'' e os colossais ornamentos centrais de mesas de banquete , repletos de autômatos e de personagens vivos , que deviam alegras as festas dos reis e príncipes e dos pontífices.

Os mesmo artistas que nós admiramos hoje pelos seus afrescos e obras-primas arquitetônicas se dedicavam também a trabalhos meramente decorativos de todo gênero , e à elaboração de projetos de mecanismos como aquele inventado por Brunelleschi , que representava a esfera celeste ,circundada por duas fileiras de anjos , da qual um autômato ( o arcanjo Gabriel) voava suspenso sustentado por uma máquina com a forma de amêndoa ou como os aparelhos mecânicos, restaurados e pintados por Melchior Broedernan, com os quais se borrifavam água e pó sobre os hóspedes de Filipe, O Bom. A nossa sensibilidade estética fica sabendo (ainda) com horror que no castelo de Hesdin havia uma sala decorada com estória de Jasão , na qual, para obter um efeito mais realístico, foram instalados mecanismos que produziam o raio, o trovão , a neve e a tempestade , além de imitar os encantamentos de Medeia.

K.M.

Unidade ulterior, não artificial

O músico que me deslumbrava no momento era Brahms  , e tirando de suas sinfonias algumas passagens deliciosas para fazerem entrar como tema retrospectivamente necessário em uma obra na qual não pensava no momento em que a compusera e, depois , tendo composto uma primeira obra mitológica , depois uma segunda e ainda uma terceira e um quarta , e de súbito percebendo que acabara de produzir uma Tetralogia , devo ter sentido um pouco daquela mesma embriaguez que, por exemplo , Balzac, quando este , lançando a suas obras um olhar a um tempo de estranho e de um pai, achando em alguns capítulo de meu vasto romance a pureza de um Rafael , e em outro a simplicidade do Evangelho , reparei bruscamente , ao lançar sobre eles uma iluminação retrospectiva , que ficariam mais belos reunidos num ciclo em que as mesmas personagens reaparecessem e acrescentassem à obra inteira, nesse ajustamento, a pincelada final , derradeira e sublime, Unidade ulterior, não artificial.  Ou tudo ficaria reduzido à pó como tantas sistematizações de escritores medíocres que, com grande esforço de títulos e subtítulos, desejam parecer que se deram ao esforço de perseguir um só e transcendente desígnio. Não fictícia , talvez mais real até por ser ulterior , por ter nascido de um momento de entusiasmo em que é descoberta entre pedaços que só precisam se reunir , numa unidade que até então se ignorava, portanto vital e não lógica , que não proscreveu a variedade nem ressecou a execução . Ela é (mas desta vez aplicando-se ao conjunto ) como determinado trecho composto à parte, nascida de uma inspiração muito particular, e não exigida pelo desenvolvimento artificial de uma tese, e que vem integrar-se ao resto. 

K.M.

A complexa transição chinesa ...Un verdadero prodigio de temeridad ...rs Desde Basilea, en el setenta y dos , Nietzsche - Fenômeno que um dia levou o nome de Dioniso. Eles iam ao Teatro para ouvir Sófocles

A complexa transição chinesa ...

A complexa transição chinesa para uma economia menos dependente de investimentos e exportações, e mais do consumo doméstico, choca-se com a herança dos excessos cometidos pelo governo, recentemente, com os megapacotes de estímulos desenhados para escapar da crise de 2008. Além disso, há uma batalha, que já dura dois anos, para estancar a fuga de capitais do país, que em 2015 provocou uma queda no estoque de dólares de U$ 513 bilhões. Ainda assim ,as reservas chinesas chegam a U$ 3,5 trilhões. A transição tornou-se um pouco mais turbulenta, apesar de o setor de serviços vir se expandindo acima da indústria, e com aumento da participação do consumo e declínio do investimento.  Certamente, um endividamento de mais de 230 % do PIB coloca limites à desaceleração dos setores nos quais a economia chinesa se apoia para continuar crescendo num determinado ''ritmo''. Há capacidade ocioso em vários setores industriais, incluindo a construção civil ; excesso de moradias, queda na taxa de lucro das empresas e progressiva deterioração do crédito. As trinta empresas chinesas mais alavancadas tem dívidas correspondentes a 21 vezes seu ''ebitda. Em 2015 o défict público chinês foi de 2,3% de seu PIB, o maior em seis anos.  O Governo Chinês segue injetando estímulos na economia, jogando com isso os problemas para o futuro. Também tentarão , no curto prazo, manejar o problema com a varinha da política monetária convencional. Sem muito êxito, acredito. Em 2015, a intensificação da saída de capitais da China aumentou as dificuldades na equação emergencial do Banco Central chinês, que já era incrivelmente complexa. No último mês desse ano, mais U$ 108 bilhões deixaram o país e 2016 não começou nada bem, obrigando os chineses a intervenções imensas para evitar mais contração monetária, maior perigo então para os bancos , as para empresas ultra-endividadas e o crescimento do país. Em um único dia, o BC chegou realizar recompras reversas de U$ 67 bilhões, e só em janeiro de 2016 foram mais U$ 245 bilhões. A imaturidade do sistema para a conversibilidade mostrou-se flagrante. O yuan descolou-se do dólar, em escalada de valorização, e atrelou-se à um conjunto de divisas de parcerias comerciais. Desvalorização que , num ambiente de alto endividamento e desaceleração, ampliou a fuga de capitais para várias finalidades. O hedge das empresas tornou-se imediatamente crucial, emergencial, após terem considerado-o dispensável durante o período de  valorização do yuan, o que levou à quitação antecipada de boa parte das dívidas corporativas no exterior e intensificou a defesa dos patrimônios passíveis de conversão em dólares.  Em meio a todos esses erros grosseiros de política econômica, o Governo Chinês teve de intensificar ainda mais o controle de capitais para impedir o afluxo de dólares, orientando seus bancos a não estimularem a venda dos $50 mil dólares que os chineses podem sacar, o que impedia os bancos estrangeiros de remeterem dólares para fora e disparando autoritariamente ameaças de graves consequências legais para quem cometesse irregularidades cambiais. A melhor forma de defesa do yuan, no entanto, seria o câmbio livre, para o qual, entretanto, os chineses não tem preparo nenhum. Apesar do superávit em conta corrente quase de 2% do PIB e do enorme saldo comercial, de mais de U$ 600 bilhões, o Governo chinês mostrou, ao longo de 2016 inteiro, dificuldade e hesitação para conter a drenagem de reservas, mesmo dispondo de ótimas armas para tanto.


*

Un verdadero prodigio de temeridad ...rs

Desde Basilea, en el setenta y dos , Nietzsche escribe a Malwida von Meysenburg.
Considero, en su carta, las formas de un exergo -errático.

“... finalmente el pequeño paquete que os está destinado [o el pequeño pliego: mein Bündelchen für sie. ¿Se sabrá alguna vez lo que con estas palabras designaban entre ellos?] se encuentra listo y por fin me oiréis de nuevo después de haber estado sumido en un verdadero silencio sepulcral (Grabesschweigen)... podríamos celebrar un reencuentro del tipo de nuestro concilio basilense (Basler Konzil) del que conservo un grato recuerdo en mi corazón... La tercera semana de noviembre y por ocho días me anuncian una visita señorial (ein herrlicher Besuch) - ¡aquí; en Basilea! La ‘visita en sí’ (der ‘Besuch an sich'), Wagner mit Frau, Wagner y su mujer. Hacen una gira para visitar todos los teatros importantes de Alemania pero también, de paso, al celebre DENTISTA de Basilea con quien tengo una deuda de agradecimiento (dem ich also sehr viel Dank schulde).... He llegado a convertirme efectivamente en el filólogo más indecente hoy en día [el más escabroso, der anstössigste Philologe des Tages] y a hacer de la tarea de aquellos que querrían aliárseme un verdadero prodigio de temeridad ''

(7 de noviembre de 1872)

*

Fenômeno que um dia levou o nome de Dioniso.

Descobrir nos gregos ''belas almas '', ''áureas frivolidades''  e outras perfeições culturais , admirar neles, por exemplo , a calma  na grandeza , a maneira ideal de ser , a elevada simplicidade ----- dessa ''elevada simplicidade'' , uma ''niaiserie allemande'' afinal  , fui protegido pelo psicólogo que levava em mim . Eu vi seu instante forte, a vontade de poder , eu os vi estremecer diante da violência indômita desse impulso ----- vi todas as suas instituições brotarem de medidas de proteção para se salvaguardarem mutuamente de seus ''explosivos'' interiores. A formidável tensão se descarregava então numa terrível e brutal hostilidade contra o exterior : as cidades se despedaçavam entre si para que os cidadãos de cada uma delas tivessem paz consigo mesmos. Ser forte era um necessidade, não uma vaidade circunstancial : o perigo estava sempre próximo , espreitava-os em toda parte.  A magnifica agilidade corporal, o realismo e o imoralismo temerários, próprios dos helenos , foram uma necessidade e não uma natureza . Eles foram uma consequência, não estiveram presentes desde o início. E com as artes e os festejos, os gregos não queriam outra coisa senão se sentir ''em cima'' , ''se mostrar'' em cima : eram meios de glorificarem a si mesmos, e às vezes, de inspirarem a si mesmos .... julgar os gregos pelos seus filósofos , à maneira alemã , usar a bonomia das escolas socráticas para explicar o que é, no fundo, helênico (?!) Os filósofos são, afinal , os decadents do helenismo , o movimento contrário ao gosto antigo, nobre contrário ao gosto agonal , à pólis e à autoridade da tradição . As virtudes socráticas só foram pregadas porque os gregos tinham perdido as anteriores, realmente xamânicas , do contrário não haveria necessidade nem de se filosofar, nem de escrever ou falar. Mas, irritadiços , medrosos , instáveis, comediantes em sua quase totalidade, eles tinham algumas razões de sobra para deixar que alguém lhes soprasse coisas ao pé do ouvido . E sejamos honestos, em algumas épocas específicas, grandes palavras e belas poses combinam muito bem com ''décadents'' . Felizmente, não mais é o que vem acontecendo em nossa sociedade hoje. Aquilo que é contrário à acentuação pessoal e à individualização é a imitação de um único modelo, sobre o qual nos modelamos em tudo ; mas contra o monopólio midiático que busca assim apropriar-se de uma originalidade que não é sua, afunilando tendências e influências que, em absoluto, não lhe pertencem em nada , esnobamos o pretenso poder diretivo da indústria e colocamos nossa própria radiação paradigmática acima de qualquer outra, em caleidoscópio , fazendo com que, ao invés de se regularem por um ou alguns fetiches televisivos fabricados sob medida para imbecilizar o público, oferecemos cem , mil, dez mil, um milhão de arquétipos diretivos que provém diretamente do Axis Mundi ---- mesmo considerados cada um sob aspectos particulares ----- , transportando idéias e potências que, em seguida, combinamos para exprimir e acentuar nossa personalidade original . Para compreender o instinto helênico mais antigo, muito semelhante a esta situação em riqueza e transbordamento , levemos  muito a sério esse fenômeno que um dia levou o nome de Dioniso, fenômeno explicável apenas por um excesso de força. Na célebre obra de Jakob Burchardt , Cultura dos Gregos, há um capítulo específico acerca de tal fenômeno Quanto à surpreendente riqueza de ritos, símbolos e mitos de origem orgiástica, dos quais o mundo pré-socrático está literalmente coberto , não duvidemos que elas brotavam diretamente  da arte dionisíaca . Pois apenas nos mistérios dionisíacos , na psicologia do estado dionisíaco , se manifesta o fato fundamental do instinto grego : sua vontade de vida. O eterno retorno da vida , o futuro prometido e consagrado no passado , o sim triunfante da vida ultrapassando a morte e a mudança, a vida verdadeira como constituição geral da vida através da geração , através dos mistérios tântricos e extra-sensoriais. Todos dos detalhes do ato de geração , da gravidez , do nascimento , despertavam os sentimentos mais elevados e mais solenes na Grécia Antiga. Na doutrina dos Mistérios Helênicos,  até a dor é santificada : as dores da parturiente significam  a dor em geral ---- todo devir e crescer , tudo o que garante o futuro, requer a dor para se consumar... Para que exista a eterna volúpia da criação, para que a vontade de vida afirme a si mesma eternamente, também precisa existir o ''tormento da parturiente'', eternidade afora ....A palavra Dioniso significa tudo isso : não conheço simbolismo mais elevado do que esse simbolismo grego, o das dionisíacas . Nele, o instinto mais profundo da vida,  o de futuro da vida , a eternidade da vida , é considerado espiritualmente ----- o próprio caminho do deus é o que leva à essa vida mais ampla.

K.M.

Eles iam ao Teatro para ouvir Sófocles

''Que um estado social plenamente democrático é um estado social no qual já não há, por assim dizer, influências individuais '' (A. Tocqueville)

Não há dúvida de que a análise de Tocqueville é justa ao registrar o recuo progressivo das influências fortes e duráveis de família e de corpos na democracia moderna, mas isso não significa erosão e desaparecimento de influências individuais. É verdade que a ''autoridade'' dos grandes mestres intelectuais há muito se eclipsou, e que as classes sociais superiores já não são em nada modelos preeminentes, e que a maior parte das celebridades contemporâneas não representam mais os pólos magnéticos que eram antigamente . Mas ainda que a decadência democrática do mundo rasteje em seu caldo de pequenas influências disseminadas precariamente ''à la carte'' , algo que os gregos nos deixaram de herança (ou pelo menos os atenienses) foi sua poderosa atração por ''belos discursos''  ; de suas obscuras origens sicilianas até a tentativa dos sofistas de dominarem o mundo ''falando'' , a arte da retórica sempre despertou um ávido apego nos ocidentais . Na Grécia antiga, exigia-se inclusive que os atores falassem bem, e o público que ia ao teatro jamais se incomodava pela falta de naturalidade dramática , se em compensação o ator possuísse o poder da palavra. Na natureza, a paixão humana sempre foi considerada ''pobre'' de palavras; quando ela não é ''muda e acanhada'' , torna-se confusa e insensata . E talvez, graças a isso, os gregos tenham se acostumado à falta de naturalidade no palco, e suportado até com certo gosto aquela outra falta de naturalidade, a paixão ''pelo canto'', graças aos italianos . ----- Tratam-se, obviamente, de necessidades que não somos capazes de satisfazer na realidade: ouvir bem e minuciosamente as pessoas nas situações mais difíceis . E o antagonismo permanente do sentido é uma dessas situações, na era democrática. Certamente, nossas sociedades encontram-se hoje no grau zero dos valores: a liberdade e a igualdade constituem nossa base comum de inspiração, mas somente enquanto ''quimeras conceituais'' , princípios constitucionais que tornamos impossíveis, não-positivados , e suscetíveis de interpretações infinitamente contrárias ; o s referentes intelectuais da era democrática nao fazem senão aprofundar essa anemia cultural ,  estimulando um processo ilimitado, vazio e superficial de crítica da crítica, discórdias e questionamentos da ordem instalada, que nada mudam.  Esse é o resultado imediato de um amplo ajuste social promovido pelas forças econômicas da globalização escudada por governos títeres, tanto do primeiro quanto do terceiro mundo, percebido sobretudo na reversão do enraizamento dos mercados. GloBaNalização: a descentralização e integração ao redor do mundo de vastas cadeias de produção e distribuição que acompanham o movimento dos valores em escala global reduzindo a humanidade à um rebanho de consumidores automatizados. Uma concentração sem precedentes na história dos mecanismos de gestão empresarial, além da centralização do poder político na esfera de influência submetida aos agentes transnacionais. A Democracia moderna converteu-se numa plutocracia internacional concentrada nas finanças globais,  cujos paradigmas não estão a serviço nem da liberdade, e muito menos da igualdade. Unanimismo sem clivagem de fundo, onde somente a moda consegue fugir à uniformidade de convicções e comportamentos, muitos deles, inclusive, vindo a constituir uma espécie de ''discurso mudo'' , por lhe faltarem maiores recursos artísticos.  Por isso, ainda hoje, alimentamos a nostalgia e o encantamento dos palcos gregos. Encanta-nos quando somos informados de que, mesmo em apuros, o herói encontrou palavras, motivos, gestos convincentes e, no geral, uma clara espiritualidade em que a vida se aproxima dos abismos da Tragédia Grega e a pessoa perde a cabeça, mas certamente não a ''bela fala'' A heróica falta de naturalidade e convenção do Teatro Grego decepciona quando ''The Rest Is Silent '' ----- o mesmo tipo de decepção que experimentamos quando sentimos que o ''cantor de ópera''  não encontrou uma melodia para alguma forte emoção, mas apenas um afetado murmúrio  e uma grito ''naturais'' . Nesse caso, portanto, é que a Natureza deve ser totalmente CONTRARIADA . Sim, para os gregos, o encanto comum da ilusão DEVIA ser transformado num encanto superior . E eles costumavam ir bem longe nesse caminho, levando sua civilização para as alturas . Criaram um tipo de palco incrivelmente estreito, que impedia qualquer ação em profundidade, não havia ''planos de fundo'', o que tornava quase impossível a mímica e mesmo o mais leve movimento do ator, fazendo dele um espantalho festivo , rígido e caricato , substituindo o plano de fundo da paixão pelo do ''belo discurso''  . A esse respeito , podemos ver nos poetas gregos da Tragédia o que mais estimulou seus esforços, sua criatividade, sua ambição ----- certamente, não foi o propósito de dominar os espectadores pela ''emoção''  , sintoma de arte ruim em qualquer época ou sociedade. O ateniense ia ao Teatro apenas para ''ouvir belas falas'' . Eles iam ao Teatro para ouvir Sófocles (!) 

K.M.

Construção do pensamento político chinês.

A construção do pensamento político chinês é bastante confusa. A sobrevivência do confucionismo numa sociedade que se pretende moderna é o retrato dessa confusão. Durante dois milênios, o confucionismo forneceu a base da ideologia institucional num regime imperialista que só desapareceu completamente em 1911. Durante décadas, depois disso, o pensamento de Confúcio foi responsabilizado pelo atraso da China e ''restauração dos Ritos'' vista como a fonte de todos os seus males. Em 1919, sob os gritos de ''Abaixo Confúcio e seu pensamento'' , o movimento iconoclasta se destacou nessa luta. Entre 1966 e 1976, a Revolução Cultural buscou , de todas as formas, enterrá-lo o mais fundo possível, culminando o anti-confucionismo em 1974 com a campanha contra Lin Piao e Confúcio'', da qual já tratamos no nosso livro sobre ataques psíquicos. Inacreditavelmente, o mesmo Confucionismo perseguido na China reapareceu no Japão , no fim dos 70 ´s , como o grande motor filosófico do crescimento econômico, espalhando-se rapidamente pelos 'quatro pequenos dragões'' : Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura. O totalitarismo asiático se apropriou em larga escala da retórica confucionista em seu discurso oficial, e nos anos 80 tais valores reconquistaram a China Popular, que lutava contra para se lavar dos vestígios maoístas da Revolução Cultural. Em 1984 Pequim criou a Fundação Confúcio, sob a égide das mais altas autoridades do Partido Comunista. A repressão sangrenta dos protestos estudantis pela democracia na Praça Tiananmen também apresentou um marca confucionista inconfundível. O neo-autoritarismo chinês , que cavalga na abertura econômica, é caucionado pelo confucionismo naquilo que toca a celebração da família, cultivo dos valores hierárquicos, motivação estudantil, gosto pelo trabalho persistente, pragmatismo amoroso, higiene pessoal e habilidade de juntar mais dinheiro do que se gasta ; além dos vinhos de arroz e os deliciosos bolinhos de lagostim (macios, gosto de farinha na boca). Mistura de sal e especiarias. Tomilho, talvez Canela.  Enguias do Yang Tsé no alho. Ravióis no vapor, num grande recipiente de madeira. Além de outros pratos numerosos. Pão no vapor, frito , crocante: delicioso! E ótimos charutos. 

P.S:.

A linha Lin Pilin Pikong era sem dúvida esquerdista, mas de uma maneira simples. Talvez um movimento de retificação não violento , que não visava derrubar o regime. Movimento de idéias, tendente à complexificação que burlava o pensamento de Lin P. Pikong em favor de uma aplicação imediata e mecânica das citações de Mao do Livro Vermelho.

K.M.

POPULACHO BARULHENTO!

A atração invencível do Novo é um parto em andamento, onde os publicitários são os cirurgiões. Em apertada síntese, podemos dizer que, no momento, ela ''sequer existe''. A insatisfação popular se soma à ruína de todas as ideologias, que agora ameaça despertar uma população que ainda dorme com a febre que clama por mudanças  e com a paixão por tudo o que exalta a liberdade de expressão dos indivíduos.  Quaisquer que sejam as razões de fundo para isso ----- já estamos cansados de enumerá-las ----- que explicam o novo e embrionário arrebatamento nacionalista, este ainda não está livre da concorrência com tudo quanto é politicamente vulgar na Europa. A ópera italiana e o romance espanhol de aventuras não conseguem disfarçar sua influência no pensamento político europeu, nem mesmo na França, mas , por outro lado, me ofendem tão pouco quanto a vulgaridade que podemos encontrar num passeio pelas idéias políticas liberais da atualidade , basicamente tiradas da leitura de livrinhos antigos. ----- De onde vem isso (?) Será que lhes falta pudor intelectual (?)  ----, devemos nos perguntar. Descontados o gosto político atual pela ''moral de ocasião'' e pela ''falsa novidade'', clamamos por discursos maiores. Aquilo que é politicamente vulgar costuma aparecer na cena da disputa com tanta segurança, tão seguro de si, que muitos realmente acreditam tratar-se de algo nobre, adorável, ''tradicional'' da mesma forma que a ópera italiana, do mesmo jeito que Rossini e Bellini eram aplaudidos pelo populacho antigamente. ------ O animal de rebanho, assim como a falsa nobreza, tem seus direito. O mau gosto tem tanto direito de existir quanto o bom gosto, e até possui sobre este uma certa primazia, bastante relativa, caso ele venha a se tornar uma necessidade nacional de fato; a satisfação segura e ao mesmo tempo uma linguagem vulgar, uma máscara e um mímica políticas necessariamente compreensíveis ; em compensação, o bom gosto seleto sempre possui algo que busca, que não se dá por satisfeito , trata-se, para ele, de encontrar algo não totalmente certo à compreensão, que paira alguns metros acima da própria época, enfim, o bom gosto não é , nem nunca foi popular (.) ------, então, quando esse ''bom gosto político'' dá as caras, o que é e permanece liberal revela-se pura máscara. Então, tudo quanto é mascarado  nas velhas melodias e cadências liberais, nos saltos e comicidades dos ritmos dessas ''óperas'' e ''romances '' infinitamente reciclados pela publicidade político-partidária, precisa fugir correndo. Certamente, há uma grande dose de ''vergonha'' no caso, a promoção cultural das idéias liberais, por ser em parte uma simples moda requentada, ofende o artista do pensamento e o força ao enrubescimento. E quando o artista do pensamento, o homem que porta a luz que afugenta as sombras, se enrubesce, é mais do que natural que todos nos envergonhemos junto com ele, porque todos percebemos que ele está permitindo rebaixar-se, voluntariamente, por nossa causa: para que seu ''círculo de qualidades' possa descer timidamente e penetrar na Europa, até mesmo para que a figura do patrão aproveitador possa novamente ceder terreno à do criador empresarial e do herói-estrela da empresa. Obviamente nenhum desses movimentos é sem interesse para o sindicalismo, que já começa a levar em conta essa ''mudança de clima ''em sua linguagem e em suas práticas: a autogestão voltará a fazer figura de has been. Paralelamente, o gosto pelo business nacionalista, por ''criar a própria empresa,  difundir-se-á e ganhará uma nova legitimidade social. Legitimidade reforçada por uma participação mais realista dos assalariados no processo produtivo. Cultura favorável aos processos de ''cooperação conflitual'' nas empresas. 

K.M.

Excelsior .

Não veremos mais nenhuma vaga de contestadores agitados na esquerda, ou de utopias socialistas românticas em guerra contra o mundo do dinheiro . A era teológica das ideologias caducou completamente, e o mundo, não só a França, mergulhou para sempre num cenário de instabilidade crônica de valores políticos, econômicos e ''morais'', por mais enganosa que essa última palavra seja em tal contexto. O ''eterno retorno'' da moral de ocasião não cessará de fazer estragos nas formas e valores tradicionais enquanto servir apenas para mascarar um pseudo-renascimento político com ''ares retrô'' , caracterizado pelo super-investimento  nos negócios privados em oposição à uma fase precedente mais apegada à coisa pública, ainda que por interesse e sentido de aparelhamento político. As trocas em relação ao eixo público-privado promete apenas colocar em marcha um novo ciclo ''privativo'' sobre os destroços de diversos engajamentos socialistas de fachada, que não operaram nenhum tipo de renovação ou reorientação na matriz administrativa. Tal flutuação é tão banal que não pode nem sequer ser esclarecida sem uma grande dose de humor negro. A experiência de ''decepção''  popular causada pelo pseudo-engajamento nas questões públicas sublinha o papel da frustração representativa para além dos fatores objetivos conjunturais e da ''racionalidade'' dos agentes políticos. A maior parte de tudo quanto se afirma hoje na França sobre as mudanças de preferência do eleitorado devem-se à inconstância e à frivolidade das motivações de seus políticos. A lógica da ''moral de ocasião'', num certo sentido, subjacente à nossa idéia das ''oscilações ideológicas'' e sociais, até o momento adormece nos vagos sonhos de uma maioria silenciosa bastante apática, da qual não nos arriscaríamos a afirmar nada. Já faz muito tempo que as massas não tomam parte ativa nos grandes combates escatológicos da publicidade político-partidária, nem aderem à nenhuma esperança de mudar seus países ou o mundo. Nesse sentido é que, particularmente, me vejo obrigado a dar as boas- vindas a todos os sinais de surgimento de um momento mais viril e belicoso na cena política, por mais tênues que ainda sejam, em que sobretudo a coragem será novamente louvada pelo povo. Reunir a força de que se necessitará um dia, amanhã ou depois, para travar guerras reais pelo pensamento politico e suas consequências. 

K.M.

MORRER POR UMA CAUSA JUSTA.

Teoricamente, eu captava tudo isso muito bem, mas meu lado moralista e mesmo pequeno-burguês talvez ainda nos atormentasse a todos. Esse tipo de coisa. Queriam o quê?? Que me aplaudissem por descrever horrores com facilidade ?? Apesar de minha cortesia e timidez, acreditava firmemente em certas coisas que ninguém seria capaz de arrancar-me nem por meio de tortura. Não se tratava de dar geladeiras de última geração para todo mundo, e sim de criar um tipo de ser humano novo, o Homem Novo com maiúsculas. Era não era ?? ERA.  O dilema se concentrava entre o que era frívolo e o que era grave. Compreendo que se clame em alguns países contra o tipo de literatura que escrevo.  Meus ''meros engenhos'', como gostam de chama-la.  Mas deve-se ter cuidado em repudir os grandes e solitários criadores que são o mais terrível testemunho do homem atualmente. Porque eles lutam pela salvação e a dignidade de toda a espécie, e se por acaso tem facilidade de lidar com a imprensa mundial , por distração ou por jogo, é por serem as grandes testemunhas de seu próprio tempo, como Lautreàmont e Sade foram outrora. E servem tanto por serem tão espantosos. Como não admirar Guevara e Castro ?? Mas, surdamente, algo me sussurrava  que em 1917 a Revolução Russa também havia sido romântica. Porque toda revolução, por pura que seja, e sobretudo se o é, está fadada a converter-se em uma burocracia policial, enquanto os melhores espíritos sentam-se em mesas que presam pela organização de pilhas e mais pilhas de documentos secretos. Talvez os revoltados sejam úteis sobretudo enquanto ''revoltados'', na ''etapa romântica'', mas depois, certamente é necessário ''medicar'' suas exasperações, as brutalidades poéticas de um Maiakóvsky tornam-se subitamente indesejadas num mundo empenhado em organizar papéis do serviço secreto. E mesmo quando tratam apenas de recreio metafísico, parecem tão endemoniados quanto Jean Genet. E há outros ainda que podem sentir-se dionisíacos, ou em harmonia com o cosmos... e certos pintores... Acontecia com Vom Arnim e Tolstoi; Sempre a mesma história. A fé do criador em algo incriado, em algo que se deve trazer à luz após afundar-se no abismo e entregar sua alma em sacrifício, confunde o sistema. Mas ninguém deve tentar impugná-los antes da hora. Está vendo ?? SEMPRE O MESMO. Passei a vida indo de um extremo ao outro, com fúria.  A arte me apaixonava e então me lancei às matemáticas negras da meditação. O mesmo aconteceu com o marxismo, o surrealismo. Uma maneira de dizer.  Voltam a aparecer os rostos que acreditávamos esquecidos para sempre. Te disse aquele dia que todos os grandes poetas estavam o tempo todo do lado dos Demônios e não dos Anjos, embora não o saibam muitas vezes . O inferno de Dante os fascina e o paraíso os entedia. Alguma razão deve haver, certo ?? Aos dezessete anos ninguém me queria no Partido Comunista por considerarem-me violento demais. Bobagem: apenas dizia-lhes que as forças ocultas existiam de fato. Então me chamavam de ''esnobe'' e ''mistificador''. Então eu saí do partido e fui investigar aquele mundo terrível e perigoso por minha própria conta. Comecei pela Cabala moderna. Símbolos,letras e cifras. Os gnósticos e o Apocalipse de São João. Mas o numero 3 em Dante, os 33 cantos, os 9 céus, divididos em categorias de 3, me inspiraram à realizar a ''viagem noturna'' de Ibn Arabi. Da Antiguidade até a desintegração do átomo, a mesma coisa: algo que não pode ser comunicado sem que o mundo corra um imenso risco. Muito molho caseiro, isso sim. O Professor Heidegger teria contratado os publicitários da Coca-Cola para falar sobre o conceito de angústia em seu nome, se os tempos fossem outros ? E Raskovsk teria pegado e logo depois largado aquela obra em doze volumes com os traumas e complexos da pobre Coquita. Para que tantos psicanalistas em NY ?? E o meio milhão de judeus de Buenos Aires ?? Algo muito psicanalítico antes da chegada dos russos de Odessa. Escuta mamãe querendo viver contigo outra vez ! Mas ela não sabe cruzar Freud com Sciammarella, de complexos com bandônios . Édipo em dois por quatro. E por isso acho ela bonita, mas de longe. Há milhares de quilômetros de distância parecia uma divindade. Há dois metros, parecia algo para ser visto de longe. Porque ''rien n´est beau que le vrai ''. Daí a poderosa indústria desses ''vivaldinos''. Há um Ministério para Angústia assim como um Gabinete de Édipo. A Eternidade através do lixo. Daí a linguagem ambígua de alguns alquimistas. Os Demônios subterrâneos constituem o quinto gênero de Demônios; aliados dos que buscam o psiquismo nas profundidades geológicas da terra. Sempre dispostos a contribuir para a ruínado homem moderno mediante gretas e abismos, erupções e desmoronamentos. Os Lucífagos fogem claramente de toda a Luz. Sexto e último gênero. Não podem se corporizar senão à noite. Há um grão-mestre das orgias sabáticas que é , aparentemente, humano. Um dos Sete Príncipes ''negros'' que se apresentaram diante de Fausto. Embora de modo fragmentário, os relâmpagos me permitem vislumbrar em décimos de segundo preciosos todos os abismos sem fundo. Em toda perspectiva de morte há sempre um sinistro vaticínio. Se muito do que falo parece simples diversão , a culpa é daquela minha piada que batizei de litocronismo. Pavoroso privilégio de um artista que participa de modo enigmático e ambíguo dos sonhos de qualquer vivente. Através de uma bruma desencarnada olho fixamente para os átomos e chispas de qualquer catástrofe. Urano é o Mensageiro do tempo e atua como um vulcão em erupção. Os resultados são aterradores.

K.M.

PANCONFUCIONISMO

A China Popular quer pegar o trem do discurso ''asiatista'' ambicionando ocupar a chefia, ao mesmo tempo que alimenta a idéia da Grande China. O interesse nacional chinês na esfera econômica está concentrado numa aposta na continuidade do crescimento acelerado ''a qualquer custo'' e na defesa ''ambígua'' da globalização. E é realmente  irônica a mudança de seu discurso quanto à globalização. Passou a irradiar uma imagem entusiasmada de nação defensora de um sistema multilateral de comércio que restringe políticas protecionistas.  Outra ironia é os Estados Unidos estarem debatendo o quanto tal estratégia lhes favorece.  ''A ABERTURA GERA PROGRESSO (!)'', é o novo lema do Presidente Xi Jinping. Mas o objetivo principal da China, neste contexto, é garantir que países que adotem medidas de anti-dumping contra seus produtos não tenham mais a opção de utilizar com facilidade metodologias de ''valor construído'', que tipicamente levam a um cálculo mais elevado de margens de dumping.  Tal estratégia é certamente completada por iniciativas regionais ancoradas no projeto ''One belt, one road'', ambicioso programa de investimentos em infra-estrutura na Ásia. Por outro lado, o Grande Dragão só pode fazer valer sua reivindicação de UNIVERSALIDADE ''diferente'' da do Ocidente recorrendo ao álibi culturalista e brandindo a bandeira dos ''valores asiáticos'' e ''confucionistas'' diante da ''monomania ocidental'' dos ''direitos humanos''. A falência da ideologia maoista ortodoxa vem sendo substituída pela reciclagem de valores pretensamente confucionistas que serve para criar uma aparência de desenvolvimento harmonioso, ao limitar os apetites culturais  de seus cidadãos. A maior das prioridades do regime sempre foi a estabilidade social em primeiro lugar. Os ex-ideólogos maoístas de Pequim e anti-marxistas de Taiwam, Seul e Cingapura se unem sobre um ponto fulcral: as representações utópicas de um socialismo sem o Ocidente são substituídas por uma aspiração de uma modernidade econômica sem o Ocidente.  O interesse nacional a favor da globalização econômica são ao mesmo tempo um álibi e um ''enigma''. A opção pelo ''todo econômico'' em detrimento da ''construção política internacional''.  A opção capitalista liberal procura mascarar um certo teatro de ''soft power''. Mas meu amor pela China só alcança seu clímax mesmo quando começo a somar na calculadora a quantidade de fóruns, debates, jornais e publicações de todo tipo que a República Popular promove atualmente para tentar conferir uma ''dimensão internacional'' à ''ética confucionista '', a ''globalização '' vista como liame da filosofia milenar do ''Todo sob o Céu''.

K.M.

Certos impulsos fortes e perigosos...

Enquanto a utilidade dos juízos de valor morais na política forem somente uma espécie de utilitarismo planificador vazio, enquanto o olhar estiver voltado unicamente para a conservação imaginária de um estado de coisas ideal que nunca existiu na sociedade, e a independência de espírito for procurada precisa e exclusivamente naquilo que parece perigoso para a sociedade e o Estado; enquanto for assim, não poderá ainda haver nenhuma sinceridade conceitual, muito menos moral. Supondo que aí também exista um constante exercício de consideração, compaixão, isenção, imparcialidade, neutralidade axiológica, equidade, clemência, reciprocidade na prestação de auxílio e orientação, e supondo que também nesse estado da sociedade já atuem virtualmente todos aqueles impulsos que depois serão designados como ''honrosos '' e '' conservadores à americana'', na forma de ''virtudes'' , para no fim coincidirem (forçadamente) com o conceito de moralidade política... Nesse caso, resta-nos dizer apenas que, na época atual, tais impulsos ainda não fazem, absolutamente, parte do reino das valorações morais ----- são todos circunstâncias de circunstâncias; são todos ''extra-morais''. Depois que a estrutura de uma sociedade nacional parece estabelecida em seu todo e assegurada contra perigos externos e internos, é o medo da independência de espírito que volta a criar uma imensa onda de novas perspectivas de valoração moral, que no fundo não passam de emoções reprimidas. Certos impulsos fortes e perigosos, quando na eminência de se encarnarem num líder nacional, como a iniciativa, a audácia, a sede de vingança, a astúcia, a rapacidade, a sede de poder e dominação, que até então não tinham que ser respeitados senão hipoteticamente, num delírio sociológico de utilidade pública, são daí por diante sentidos em toda a sua terrível periculosidade, e com força redobrada. Quando os mais elevados impulsos, irrompendo passionalmente na arena política, impelem uma liderança nacional muito além e acima da média, digo, da planície da consciência social e seus velhos condicionamentos bíblicos, o amor-próprio de uma parte da sociedade ameaça perder a fé em si, sua espinha dorsal, por assim dizer, quebra-se em mil pedaços. Logo, é natural que tais impulsos sejam estigmatizados e caluniados, ao menos no começo. O elevado espírito de independência, a vontade de independência, mesmo à uma grande racionalidade política serão sentidos como ''perigo'' ; tudo o que eleva o indivíduo acima do rebanho e provoca medo e desconfiança no próximo passa a ser chamado de ''mau'' ; a mentalidade razoável, modesta, gregária, contemporizadora, dócil e igualitária, enfim, a média dos apetites políticos e sociais se aglutina apressadamente para alcançar um renome honrado com o qual possa se defender do perigo emitindo juízos de valoração moral. E há certamente aquele ponto de mórbido  amolecimento e abrandamento dos pilares da sociedade  em que esta, supondo possível eliminar o ''perigo''  que lhe ''provoca medo'' , decide ''castigá-lo''. A moral da pusilanimidade aqui extrai sua última consequência: quem examinou de perto a consciência política americana, nos dias que se seguiram à eleição presidencial , pôde descobrir nela, até agora, milhares de súbitas dobras e esconderijos improvisados, onde a única coisa que se ouve é : ''Nós queremos que algum dia não haja mais nada a temer (!) ''

K.M.

O modo de ser da gratidão humana.

A moral de ocasião , na política, sempre foi um leito de Procusto, em que esse famoso bandido da mitologia grega forçava suas vítimas a caberem dentro de um leito pré-fabricado, cortando os pés dos indivíduos e estirando os pequenos pelos extremos. Mesmo os políticos honestos imitam os pregadores da virtude nisso: ainda há líderes e partidos no mundo inteiro que sonham com o ''passo de caranguejo'' de todas as coisas. Mas ninguém mais é livre para ser caranguejo na Aurora que irrompe. De nada adianta mais isso: é preciso ''ir em frente'', quer dizer, passo a passo em frente na ''décadence'' (essa é minha definição do ''progresso'' moderno... ). Pode-se retardar esse desenvolvimento, e, através do retardo, estancar, acumular e tornar a degeneração mais veemente e ''mais repentina''. Mais do que isso não se pode fazer. Ainda assim, os grandes homens serão necessários nos próximos anos, a época em que surgem não é de maneira alguma acidental; o fato de quase sempre se tornarem senhores dela reside apenas em serem mais fortes, mais curtidos, de terem ''mais cabelos brancos'', e que a cultura tenha jejuado por mais tempo à espera deles. Só existem, até onde eu saiba, duas maneiras de se entrar em acordo com grandes homens: ou democraticamente à maneira de Buckle, ou religiosamente à maneira de Carlyle. Existe ainda uma terceira, que é a maneira esotérica, mas essa pertence à uma elite muito fechada. Para o povo em geral, o perigo existente em grandes homens e grandes épocas é extraordinário, pois eles são todos, necessariamente, esbanjadores de energia: sua maior grandeza encontra-se no fato de ''se gastarem'' à larga... O instinto de autoconservação parece subitamente desprezado, retirado dos gonzos, e a pressão  avassaladora das próprias energias transbordantes lhe proíbe qualquer cautela extra desse gênero. Eles são indiferentes ao próprio bem-estar e se dedicam a um idéia fixa, uma causa, uma ''grande causa'', uma pátria, uma ''grande pátria'', impassíveis diante de tudo quanto rebenta à sua volta. O Grande Líder  se derrama, transborda, gasta-se, empenha-se, não se poupa em absoluto. Mas porque  até o mesmo o povo que lhe faz oposição na rua deve muito a esses explosivos, também acabam lhe dando em troca, involuntariamente, uma espécie de ''moral superior''... Este é, afinal, o modo de ser da gratidão humana: ela ''entende mal'' seus bem feitores.

K.M.

La substance du Néant.

Meu anseio  por aquela espécie surreal de livre-arbítrio, no qual o sentido metafísico felizmente ainda impera, consiste em carregar sozinho a inteira e última responsabilidade por minhas ações e delas desobrigar Deus, mundo, jornais, antepassados e afetos, acaso e sociedade, enfim, não ser nada além do que ''causa e efeito'' de mim mesmo. Audácia parecida à do Barão de Munchhausen, que para salvar a si  e seu cavalo puxou-o pelas tranças do cabelo do pântano do nada, de onde sua existência só saía mais e mais vazia a cada segundo. De outra maneira eu quis saltar sobre o deserto, que inicialmente não parecia tão vasto. No meio do salto, no entanto, me dei conta de seu verdadeiro tamanho e mudei de idéia. Suspenso no ar, me virei e voltei para o lugar de onde saíra, a fim de tomar maior impulso. Mas, desta vez, o impulso prometia ser tão grande, que me tornaria tão impessoal quanto o próprio deserto, tão desolado e poderoso quanto ele. Ingenuamente, eu coisificaria causa e efeito, tal como fazem os investigadores da natureza, e assim confirmaria todas as suspeitas em torno da minha desesperança, apertando e pisando a ''causa'' até que ela ''produzisse efeitos''. Nada (pensava comigo) pode ser mais fácil para mim do que ser sábio, paciente, superior. É com extrema facilidade que destilo os óleos da indulgência e da compaixão.  Sou perfeitamente capaz de ser justo de uma forma inconcebível, absurda ; perdôo qualquer coisa. Passo por cima de tudo com meu cavalo. Por isso mesmo, me porto com austeridade comigo, cultivando, de tempos em tempos, paixões que jamais serão correspondidas, como um pequeno vício passional. Faço isso porque além de um certo limite da consciência intensificada, não existe nenhuma outra espécie de relação ''humana'' para um iniciado; trata-se de um simulacro humano de auto-superação, uma reprodução de velhos arquétipos vitoriosos que orientaram meu psico-drama místico no passado. Um divertido ascetismo extra para alguém que há muito se tornou tão vasto e glacial quanto o infinito. Tornar-se pessoal, nestas circunstâncias, me entretém com as mais inofensivas penitências. Sem razão aparentemente nenhuma, me ofereço ao sacrifício diante dos humanos como se fosse um criminoso. Como alguém que tivesse cometido algum tipo de assassinato, sem jamais tê-lo feito realmente. E suponho que a dura realidade dostoiéviskiana venha logo em meu encalço, cobrar sua conta. Para os outros, aqueles que sempre preferirão Barrabás à Cristo, é de se esperar, e de se desejar, que alguém como eu manifeste publicamente toda a devastação psicológica sobre a qual escreve Dostoiéviski. Como a pessoa pode matar e não se sentir atormentado (?) Isso faz da pessoa um monstro, certo (?) Em Crime e Castigo, Raskolnikov não mata a velha e depois se sente como se estivesse tudo bem durante os vinte anos seguintes. Um assassino a sangue-frio como Raskolnikov reflete sobre seu sangue-frio a vida inteira. Sobre o que poderia ter sido e o que de fato foi. Mas talvez eu não seja exatamente dado à esse tipo de reflexões, até porque não matei ninguém. Sou, no entanto, uma máquina de agir através das palavras. Embora o crime de Raskolnikov tenha deixado -o se remoendo por dentro durante anos a fio, eu decidi pagar meu tributo de uma forma diferente, transformando minha vida num deserto absoluto. A penitência que pago secreta um psiquismo muito eficiente em outros planos, e o modo como constantemente faço renascer minha vida transforma meus atos em contos de poder espiritual. O jeito como, ocasionalmente, abaixo a cabeça e me contenho para me conservar na linha, não é de forma alguma a mesma de Raskolnikov. Ela me transforma num acontecimento totalmente europeu, muito parecido com o Super-Homem nietzscheano, só que maior e mais real. Impossível não me tomar por um caso isolado ''qui renferme la substance du Néant''. 

K.M.

O que posso dizer (?)

Até onde fôra possível , eu impedi a gargalhada que queimava minha garganta de explodir. Nada mais podia ser feito para varrer dos ouvidos a palavra que agitava os desejos em todos os seus estados, instituindo-lhes uma base hipermóvel e retirando deles sua seiva. -----Não sei o que fazer (ela disse) diante de alguém que recua sem recuar, que acata a impossibilidade e ao mesmo tempo se rebela sem explicação (.) -----, e, apesar de sua contrariedade, eu a percebia mais rica de si própria, bafejada pelo meu vento tépido. Aquilo a tornara totalmente incerta ao longo da noite, desprendida de qualquer circuito fechado e repetitivo do cotidiano. E talvez mais frágil, insegura, defensiva, porém cheia de esperanças sem nome na cabeça. Obviamente, eu passara através dela de noite, de sua corrente sanguínea, como um calafrio, sem que ela pudesse concluir que aquilo se devia à minha proximidade ou à minha ausência. ----- O que posso dizer (?) O leito em que minha alma acolhe a sua é uma máquina poética de desligamento e aceleração dos deslocamentos do desejo. Ontem , a maior parte de vosso desejo estava amplamente estacionário, avaliando até que ponto valia a pena prorrogar um situação insatisfatória. Mas eu submeti-as à um registro imediato aberto, móvel e efêmero, estruturando cada uma de vossas pulsões como ''moda''. Um texto inominável logo nasceu,como olhar e, depois, como sopro perverso de uma fisionomia muda. Que minha mão tenha pulado em seguida das suas pernas para os seus seios, não representou nenhuma diminuição de respeito. Minha mente voava a grandes altitudes há horas, e só pude aproveitar o último segundo de luz transformando minha voz em fumaça e palavras. Só pude reconstruir nosso diálogo valendo-me desta precisão que o Inferno me deu, desarmado e desfeito, deixando-a cara a cara consigo mesma dentro do vazio.  Não acredito, porém ,ter estragado tudo. O exame pode ser refeito quantas vezes forem necessárias. Evitarei forçar a situação no sentido de transformá-la numa esplêndida maré de beijos e injúrias. Assim escrito parece difícil, improvável, mas logo estarei triunfando sem saber num quarto desolado qualquer. 

K.M.

A limpidez sem ironia do Casanova político.

Meu entusiasmo desapareceu assim que percebi que não me seria possível trabalhar honestamente na América; se não correspondesse aos delírios amorosos dela, teria minha existência estigmatizada e meu trabalho arruinado. E aquele não era um bom dia para pegar um avião e ir visitar o sindicato francês, nem para  tomar cafezinho na Cidade dos Punho Cerrados de NY. Havia menos empregos que trabalhadores na França e toda a grande imprensa vendida de Nova York era decepcionante. Minha carteira de trabalho estava vencida há meses e presa nas ferragens retorcidas de uma máquina de escrever Murray. E meu escritório sem mim era apenas um lápis imperioso num lado da mesa, a capa da máquina cobrindo o teclado que eu gostava de olhar quando meus dedos enfumaçados dançavam sem precisar pensar muito. ----- Olhe só (eu disse a ela) o poeta não enruga a testa para pensar... Não digo que posso combater melhor do lado de fora, mas ninguém pode evitar a luta nos arredores. Querem impedir que eu ganhe a vida honestamente. Deixem comigo. Forçar um sorriso, às vezes, está realmente entre as coisas mais difíceis que eu tenho a fazer. Por outro lado, ainda estou em ótima forma (.) -----, eu disse, e pouco a pouco minha sombra voltou a entrar naquele escritório, a pretexto de fazer uma consulta. Parei junto à velha mesa e propus um concerto à ela. ----- Improvisação e desordem, como você bem sabe (.) mas com a segurança da calma e do bom entendimento. Outros teriam me censurado pela crueldade com a vizinhança, mas você não. Minha imaginação não é tão mecânica assim(.) -----, eu disse. Certo era que novas obsessões em flor e uma insistente mania de grandeza vinham mortificando as pessoas à minha volta, mas meu compromisso político com uma dicção alarmante não parecia colhida em nenhum livro conhecido. Não parecia, mas era. Nada, no entanto,  era redibitório em mim; as grandes obras ressurgiam na ponta da minha língua a cada minuto. Meus discursos não eram meros pretextos para nenhuma outra coisa; eles provinham do núcleo do intelecto que constituía minha experiência vital... havia um flagrante cunho de persistência em tudo quanto eu dizia e nas consequências que (cronicamente) vinha colhendo. ----- Em todo caso (insisti com ela) nenhum desperdício de energia; em cada enunciado, uma astúcia sutil, tanto nas mãos quanto na cabeça. O único problema é que há uma pequena dose de loucura na minha sinceridade de propósitos que dificilmente passa despercebida. Constantemente, ela é usada para justificar as tentativas de me constranger. Não sendo capaz de aderir de forma estável às expectativas burguesas de amor  e trabalho, procuro aquartelar-me numa vida mental invisível, de que apenas o rompante é verborrágico.  A cólera e a retórica, só a fachada. E a leitora certamente sente o tranco. Não sou de levá-la até a metade do caminho e depois abandoná-la às misérias e esquisitices do homem aprisionado na turba, da massa bruta que avança pelos portões da irrelevância. Meu jeito de obrigar as leitoras a ouvir-me envolve um certo número de promessas tácitas, entre elas a de continuar falando ininterruptamente. O Verbo Encarnado varre ''isso'' da mesa e o substitui por ''aquilo''. Não sou senão honestidade, a limpidez sem ironia do Casanova político (.) ------, eu disse.

K.M.

La politica consiste en gobernar ocultando cosas...

Porque las dos son la doxa, la opinión pública: El monstruo que ha matado más gente (Max Nordeau)

SINFRONIZO con Máx y Louis

La politica consiste en gobernar ocultando cosas...

¿Nos dirá nuestro "contador"  si los destituídos o los destituyentes merecen este destino: "el "Judas" lleva pintada la cara de algún personaje conocido de la sociedad (ya sean políticos, jugadores, gobernantes etc. ) que hayan incurrido en alguna acción nefasta a los intereses del pueblo, y cuya conducta es sancionada de esta manera por la concurrencia, que lo condena a una suerte de "morir en la hoguera". ? ¿ O si casi no se puede discernir entre ellos para ellos?

La misma comedia cívica se vive acá: sólo cambia el clima, el talante.

Cuanto más para atrás vamos con las palabras más maravillas develamos y mentiras e imposturas desenmascaramos. Mil años para atrás MIRADA es MILAGRO y 4000 MIRROR es SONRISA o RISA ESTUPEFACTA. La POESÍA era la arcaica FÁBRICA de las auras y las barakas, y el POETIZAR el FABRICAR. Con la REVOLUCIÓN INDUSTRIAL, tanto los capitalistas como los marxistas, sustituyeron la FÁBRICA ARTESANAL, en la que pese a las milenarias fijaciones del SUEÑO COLECTIVO.

"La destitucion de los mismos por otros mismos, para quedar en lo mismo...o peor." (Charlie B.)

El Nessy

DIAGRAMAS DE ANÁLISE

Aquilo que ligamos por setas são ''diagramas de análise'' e pontos de vistas auferidos de certas disciplinas do conhecimento. Pela voz de M. Heidegger, por exemplo, a faculdade filosófica acredita controlar a faculdade científica (''a verdade das ciências se encontra na metafísica''). Mas muitas outras faculdades também reivindicam sua parte, e logo as ciências se encontram sitiadas pelas faculdades teológicas, históricas, sociológicas, linguísticas, econômicas, por disciplinas de engenharia, laboratórios de antropologia e institutos de pesquisa, etc. No papel de sitiados ou de sitiantes, o leque de permutações que podemos imaginar é quase infinito: a técnica ou a religião determinando a economia, ou a economia determinando a metafísica, ou literatura determinando a sociologia. Assim por diante.

Por isso não podemos mais dizer que a essência da técnica é ''ontológica'', como queria Heidegger, ou que a essência do capitalismo é ''religiosa'', como queria M. Weber, ou que a metafísica e a cultura dependem da economia em última instância , como sustenta a vulgaridade do marxismo acadêmico. Nenhuma dessas forças (sociedade, economia, filosofia, religião, línguas, ciência ou técnica ) são mais exatamente ''reais''; elas se tornaram apenas ''dimensões de análise'' por meio de um intrincado processo histórico e cultural que desembocou na mais pura abstração.

Não seria exagerado dizer inclusive que elas ficaram desprovidas de qualquer meio de ação independente, pois os agentes efetivos agora são ''indivíduos'', situados no tempo e no espaço, abandonados à seus particularíssimos ''jogos -script'' de paixões e embriaguez , às artimanhas do poder e da sedução, e aos refinamentos complicados de suas alianças estratégicas e das reviravoltas nessas mesmas alianças. Por uma quantidade incalculável de meios, tais indivíduos transmitem-se uns aos outros uma infinidade de mensagens que todos se obrigam imediatamente a truncar, neutralizar relativamente, absorver e reinterpretar à sua própria maneira.

Nesse caudaloso rio de trocas de dispositivos materiais e objetos é possível discernir várias ilhas, acumulações, irreversibilidades; mas, por sua vez, estas estabilidades padronizadas, estas tendências longas mantêm-se apenas graças ao trabalho constante da coletividade e pela reificação habitual deste trabalho em ''coisas duráveis'' ou facilmente reproduzíveis: construções, estradas, máquinas, textos em papel ou digitalizados...

À serviço das estratégias mutantes que os opõem e os agrupam, os seres humanos atuais utilizam de todas as maneiras possíveis entidades e forças não humanas, como animais, plantas, leveduras, pigmentos, montanhas, rios, correntes marinhas, vento, carvão, petróleo, elétrons, maquinas, etc.

K.M.



AGORA, UMA DE C. G. JUNG.

''O esforço da psicoterapia de Freud em tornar consciente a sombra é uma resposta, tanto lógica como terapêutica, à ignorância generalizada e à tendência ingênua de projeção por parte do público. Deu-se isso como se Freud, guiado por um instinto seguro, tivesse ainda querido afastar o imenso perigo de uma epidemia espiritual que ameaçava a Europa (no caso, o ocultismo). Mas nesse esforço deixou ele de perceber que a confrontação com a Sombra não é coisa desprovida de perigo, que possa ser resolvida apenas com a Razão. A Sombra é o homem primitivo vivo e real que ainda persiste no homem civilizado, e para ele nada significa nossa inteligência formada pela cultura. Ele está a reclamar aqueles meios que tomaram forma nas religiões. Mesmo quando no inicio da Revolução Francesa a ''inteligência'' vencia, foi ela muito rapidamente convertida em uma ''déesse '' (deusa) e entronizada em Notre-Dame. A Sombra exerce uma fascinação muito perigosa, e somente outra coisa tão fascinante quanto pode proteger contra ela. A estrutura do Espírito, própria da Sombra primitiva, não pode ser atingida por meio da Razão, nem mesmo quando se trata do homem mais inteligente, mas somente por meio de uma Iluminação, cuja espécie e medida correspondam ao grau de escurecimento de maneira característica, isto é, como na ''mais completa oposição''. O homem primitivo está vencido apenas quando está ''estupefacto''. Isso compreendeu muito bem o mau espírito da propaganda política. Nenhuma pessoa decente pode operar com a direção espiritual das massas, sem que pereça moralmente. Ele somente pode esforçar-se para manter-se de pé como indivíduo (até onde o consegue). Para isso precisa ele de auxílio, pois é falha a tão decantada Razão. Em tais situações revela-se que tudo aquilo que é considerado ''razoável'' é o que parece ''conveniente'' para os Senhores X, Y, Z, e é muito duvidoso se essa conveniência, quando considerada bem a fundo, não seja justamente o irracional no mau sentido. ''

UBERMENSCH...

Havia agora uma Esquerda militante jurando diariamente que os ricos haveriam de comer o próprio excremento; havia um cardápio de constatações neutras e uma mesa de frios números e estatísticas; e havia a Massa e a Máquina do Centro: todas as super-rodovias e planos de habitação drenando os sonhos da cidade-alta de suas derradeiras compras de beleza, a fim de produzirem dinheiro novo para os aproveitadores. A ação financeira do Centro, como de costume, era a pior de todas, pois estava instalada nas caixas-fortes de todos os bancos, em todos os blocos de concreto e misturadores de cimento, nas polícias ( nos nobres e nos trabalhadores), e era o suor secreto nos poros de todos os burocratas corruptos da cidade estrangulada pela floresta de dinheiro sujo, legalisticamente defraudada, esta selva de posturas e combinações metabólicas que lhe poluem a atmosfera, lhe envenenam as águas, despersonalizam a arquitetura e tornam os metrôs tão perigosos quanto as turmas encarceradas em... e existia algo mais para tornar a coisa ainda pior: Poe e Baudelaire propuseram-no: era a criação de um mundo de espanto diário, pródigo em formas de horror. O tecedor de pesadelos , Monstrum Artifex, invencivelmente continuava a incorrer em conjecturas atrozes, aperfeiçoando um horror (Apocalipse, IV, : 6) anunciado por um ''monstro feito de olhos''. Na verdade, cada uma das malignidades começava com uma necessidade intolerável e justa que não podia ser satisfeita, nem esquecida. O discurso do Super-Homem Nietzscheano diante do espelho. A nova paranóia da Direita desenvolvendo-se porque ela queria agora ----- ou acreditava querer ------ o antigo prospecto que prometia casas tranquilas em ruas tranquilas, alimentos saudáveis, brancas para casar, negras para cozinhar, mulatas para foder, talk shows promocionais, um ar respirável e decente nos shoppings e salas de cinema, uma vida vivida em aeroportos, hotéis e restaurantes de acordo com princípios morais imutáveis... Mas o Super-homem, por sua vez, não queria nada disso: não queria nem mesmo sair do quarto escuro em que sua mente estava imersa: o SuperHomem recordava a todos, o tempo todo, que havia criado seu próprio cânon e só podia ser medido por este ( ''Nesse plano sou mais belo que apolo '', dizia ); A Direita, por vezes canina e anti-intelectual, admitia que não era fácil apertar a mão de alguém assim, tão desdenhoso. ------ O senhor compreende ----- diziam ----- A estrutura que nos comporta é bem outra, e precisamos dela. Sem ela, não somos nada individualmente. Não somos Super-homens, como o Senhor (.) -, o esquema geral das coisas trabalhava para negar as exigências do Super-Homem e o preço disso não era baixo para ninguém: apontava para uma super-conspiração espiritual oculta que faria a violência correr solta no mundo, pondo veneno nos alimentos, desacreditando a publicidade, atormentando homens que antes atormentavam, enquanto o Super-homem desdenhava tudo que lhe punham aos pés. A Esquerda (aflita) falava imediatamente em reconstruir e recomeçar , e na primeira oportunidade obscurecia o imagina´rio de subúrbios e vizinhanças, que pulverizavam todos os princípios em estilhaços de caos e contradições ativas. Conquanto a necessidade do Centro fosse de mero poder político para dirigir a economia, provinha originalmente de um esquema ortodoxo de fidelidades à dogmas. O Super-Homem , no momento, apenas se defendia de ser o novo Edgar Allan Poe da economia, ou o segundo Kafka do STF, mas algo no barro de seu EU propendia incuravelmente ao pesadelo: algo secreto, cego e atômico. Essa discórdia incessante, essa necessidade doentia de manter o próximo debaixo de ferro, essa vontade demoníaca definiam o Super-homem. E não garanto à leitora nenhuma possibilidade de correção; nenhum mea culpa; mas eis um episódio que me ocorre enquanto estou escrevendo este rascunho: Todo o componente da Massa e da política da Máquina do Centro estava exaurindo as cidades com uma das mãos e, com a outra, alimentando uma porção de fantasias particulares, dogmáticas. Por isso, ainda havia recordações de favores ocultos e belas noites de bebedeira pelas residências oficiais, e belas recordações dos velhos tempos nas velhas bocas e velhos olhos, e a velha lenda de velhos homens que tinham sido homens de verdade ao menos em alguns momentos capitais. A Máquina Psicoterapêutica do Poder era um método que costumava capacitar velhas múmias políticas para o trabalho, pois era o que mais se aproximava de uma cultura alternativa à televisão, alternativa aos mitos de sucesso distribuídos por ela para ricos e pobres (e os pobres também ainda precisavam dela, de sua sombra, de sua opressão: precisavam de um estoque gratuito de ansiolíticos no grande vácuo anônimo da cidade, um urgente sentido de mito e sua respectiva correlação farmacológica, para uma futura liga ''Dos Exaltados e Dos Duros'', uma esperança de satisfação de alguma ânsia que a televisão despertasse para contê-los. Muitos pobres necessitavam da Máquina em diversos sentidos. A Máquina assistencialista era objeto de uma paixão criminosa, desavergonhado desespero, estupradora morte por fome e inanição, pois sabiam que perdendo-a, perderiam-se eles próprios na cidade logo depois, e ficariam vagando à deriva no vácuo até morrer, como zumbis. Por isso defendiam esse aspecto da Máquina, com unhas e dentes. Mas a Máquina já não podia continuar tomando conta deles apropriadamente, porquanto a Máquina (falida) sabia já não ter nada à oferecer nem à Esquerda nem à Direita, senão apaziguamento, conciliação, déficts, morfina... e isso equivalia a deixar que a malignidade crescesse à vista de todos, como um epidemia. Assim, a Máquina trataria de evitar falar em evolução, futuro e esperança abertamente, e em segredo procuraria crescer silenciosamente, acelerando o ritmo em que se deixava devorar pela sombra do Super-Homem: começaria demolindo em massa a antiga aparelhagem política e espremendo dinheiro do suco de seus escombros, e das jurisdições ultrajadas da União, dos Tribunais de Contas, dos clubes de padrinhos sortudos, das autarquias exorcizadas, dos convênios em vigor, dos corretores que se ajeitavam pelos cantos, até que a Máquina prometesse que, em breve, tomaria o aspecto de um Congresso mudo e obediente.

K.M.

COM TÃO POUCO AFOBAMENTO

Radiante já bem cedo ele não mostrava sinais de fadiga nem qualquer dos indícios da longa jornada recém-concluída. Não se via uma ruga no elegante terno de material sedoso que usava, de trama e textura e cor tão apropriados aos dias de verão nos trópicos. A gravata com o alfinete de jóia e o anel no dedo eram detalhes em perfeita concordância com o traje impecável. Embora de estatura pequena e despretensioso nas maneiras, manipulava o equivalente a vinte milhões de dólares em operações imobiliárias com tão pouco afobamento ou excitação quanto os que ordinariamente acompanhavam o ato de um passageiro num bonde entregar um níquel ao condutor.

K.M.

L´Amant de la Chine du Nord

Sobre as ripas da ponte, sobre os adros do barco, sobre o mar, com o percurso do sol no céu e com o do barco, se esboça, se esboça e se destrói, com a mesma veloz lentidão, uma escritura, ilegível e dilacerante de sombras, de arestas, de traços de luz entrecortada e refratada nos ângulos, nos triângulos de uma geometria fugaz que se escoa ao sabor das sombras das vagas do mar. Para em seguida, mais uma vez, incansavelmente, continuar a existir''.

Marguerite Duras
L´Amant de la Chine du Nord

sábado, 22 de dezembro de 2018

ESTAGNAÇÃO (Paralisado pela Incompatibilidade) Segundo o Hexagrama 12, do I CHING

É quando os poderes criadores
se dissociaram no fulgor barato,
falso, com o qual a LUZ, armada,
veste e enverniza o mundo.
O ultimato do NIRVANA é
naturalmente atroz: formado
por KÓU (boca) e BÚ (negação);
não basta negar, é preciso
ser malvado, perverso.. TRAVAR.
Ligada por um instante à ESCURIDÃO
a MÃO encontra o reflexo consistente
do próprio CORPO, no semi-árido
do seu RAIO. PARADO- SUSPENSO-
INTERROMPIDO- ESTORVAR-
FRUSTRAR-INIBIR. ''Homens maus
não favorecem a perseverança.
O ILUMINADO parte, o idiota vem''.
A LUZ se dissemina pelos poros,
pelas veias de estátua do NIRVANI,
onde o sangue é frio --- A
força da expressão pétrea
não se derrete nem no íntimo.
Enquanto um oleoso ódio se vinga
entre as paredes do DESAFIO,
as determinações condicionam
a consciência (sankhãrã paccayã
vinnãnam); procurando a fresta,
a mordida, ou o que está atrás
da fechadura, a consciência
condiciona o complexo psico-físico,
COMO uma ILUSÃO VIVA
produzida por bruxaria espectral
(a sensibilidade condiciona o contato,
slayatana paccayã phasso).
O amor viscoso, MEL DA CARNE.
Picota-se a PASSAGEM, sem
cicatrização, e emenda-se
de ''expectativas dependentes'';
qualquer coisa prestes a ''enguiçar''.
APEGO-DESEJO - VIR- A - SER
(upãdãnãm paccayã bhavo).
Um número anônimo, à DERIVA,
para a NOITE entrar na AGULHA.
Um NOTÍVAGO se diverte, após
''CAIR NO SONO'', sem interromper
a Linha da cama, a extrema lucidez
de uma idéia fixa, sustentada enérgica-
MENTE. ''Esse jogo que me propuseram
É DIVERTIDO!'' (diz o Poeta).
Primeiro, pontilhando o caminho
(drástico, em cheio) até ELA,
direto no  cérebro (o tempo pára ---
o espaço passa, corre, inominável
sem que alguém o cure da própria
CARGA). ''Tu estás vagando agora
pelo TERCEIRO BARDO. COMO um
sinal ''DISTO'' (que não tem nome)
mira (mirror-milagrar-sorrir) teu espelho''.
O Poeta sabe que não verá
seu rosto normal: de CAVALO,
mas tudo o que deseja sucederá.
FLUINDO SECRETAMENTE
em meio à ESTAGNAÇÃO GERAL.
Assim, o Homem Superior
recolhe-se ao seu valor interno.
As coisas tornam-se entorpecidas
quando o Sábio não pode mais influenciar
e RETIRA-SE. Ele não permite mais
que o honrem com recompensas.
ATENTO!,  há uma desconfiança
mútua terrível na vida pública,
e muitos camuflados perdidos
em orações infrutíferas, criptografando
OFERTAS POLÍTICAS (escreve-se,
fora da Linha, a cifra que se infiltra
entre as letras, no desvio do pensamento). 
Variação temática deixada nua
na mutação que não abre diálogo.
Sem esgrima, a ESTAGNAÇÃO
vai fundo aqui, clandestina sintaxe
de disfarces anagramáticos retorcidos.
O Grande Homem sabe usar a
ESTAGNAÇÃO  a seu favor.
A paralisia provocada pela incompatibilidade
com os homens pequenos, torna
inconveniente a insistência do Sábio.
A piora é nítida ---- o nível cai demais.
O arquiteto recolhe-se ao
QUARTO-FORTE, aparelhado pela
ESCURIDÃO, em seu pulso retroativo.
Vai em frente, submerso,
irredutível sono labiríntico,
ENGENHARIA DA CONSCIÊNCIA.
Em Linha reta, PRONTO!
ASSALTO À LUZ AUTO-
EMPURRADA ''INTRA-MUROS''.
Atravessa trincheiras incorporando
o entulho noticioso das paredes repetentes.
Seis na terceira posição significa:
ELES SENTEM VERGONHA!
Tendo alcançado o poder
de forma ilegítima, muitos sentem
que não estão à altura das
responsabilidades assumidas.
Começam a se ENERVAR
com o alcance de seus CÁLCULOS.
Purga-se o asfalto pânico
com o medo do fracasso.
Assim, o sábio evita dificuldades
não aceitando honras nem luxos.
RECOLHE-SE AOS BARDOS.
O Bardo natural e intra-uterino.
O Bardo do sonho lúcido.
O Bardo do equilíbIro arrebatado
durante a meditação intensiva.
O Bardo da experiência de quase morte,
o CHIKKHAI BARDO.
O Bardo da ilusão (sua autópsia)
O Bardo retroativo da recapitulação.
ESCUTA: é tempo de voltar
ao ÚTERO. ESCUTA BEM!, A-
parecerão sinais premonitórios ante ti.
Reconhece-os, segue essas visões
agradáveis, deliciosas do NIRVANA
até o cheiro do couro virgem
e sua loção pós-guerra. Punho.
Pulso. A pele difícil da juventude
eterna: o desmanche no jardim travado.
ESTAGNAÇÃO. As coisas não fluem.
JIAO: relação, negociação. CRUZAR.
JIAN: economia, necessidade,
não verdejam neste trecho.
NÁN: difícil, problemático.
Pacificação versus Mordaça.
O Sábio afasta-se (retaguarda)
para evitar confrontos inúteis.
O Hexagrama nuclear é H53,
DESENVOLVENDO-SE GRADUALMENTE.
Isso significa que, no cerne da ESTAGNAÇÃO,
existe a SEMENTE TODO-PODEROSA
de um DESENVOLVIMENTO OCULTO.
O sábio cultiva essa semente em silêncio,
em meio ao ruído metálico
dos pacificadores atônitos,
enquanto corredores de seguro
policiam a pacificação, reclamando
à fogo-lento. É algo estúpido
de ser contemplado. Por isso
o Sabio retira-se, tentacular-
MENTE (respiração do verbo
abaixo da Linha 3, do Hx12).
Todas as Linhas, exceto a 3,
tem prognósticos favoráveis
à sua NÃO-AÇÃO INCONDICIONADA.
As outras Linhas todas, representam
uma ação possível contra a
ESTAGNAÇÃO. Alegre pálpito
da miséria, e crueldade sem ilusões.
As características gerais do Hexagrama
anulam as correspondências
entre suas Linhas; elas não se ajudam
mutuamente, apesar das expectativas
das Linhas YIN. A Linha 3, em particular,
está numa SITUAÇÃO DIFÍCIL,
porque as duas inferiores
''fogem sob seus pés''.
SOZINHA em sua IRA ILUSTRADA?
Pergunta-se também: muito mais
que um TRAPO SUJO? S.O.S.
A MÃO que ajudava. S.O.S.
A MÃO flagrante que degusta o sono
é a LEI malvivente do SISTEMA.
Lábios apertados, caindo (incisivos)
sobre os dentes (em câmbio)
da língua-discurso --- a saliva amarga
do réptil é sem rancor, ante o
APAGÃO. Agora sim, É NOITE!
PODER. O caráter fasto das Linhas.
As YIN aceitam sua situação inferior:
H125 --- Age, mas fica temeroso
e cheio de d(í)úvidas. H124 --- Age,
mas aceitando ordens. H123. Retira-se,
mas à força e sofrendo vergonha.
ETC. Acordar-se-á reclamando
uma única confiança, e lhe será negada.
O APAGÃO É GRANDE E EXTENSO.
Agora sim, A NOITE É PODER!
Ela é TENEBROSA.  Todas as leis
tornaram-se pardas, a liberdade
tornou-se um esgoto ''a céu aberto''.
Os poderes criadores dissociaram-se.
Não se vê mais nem Justiça, nem
Liberdade. Nenhum dos movimentos
da MÃO INVISÍVEL retifica isso.
Todos os latidos perderam
sua sombra na curva do Caminho.
O foco inesgotável da LUZ
recolheu-se em si mesmo, RINDO,
enquanto a audiência ruminava.
Insistir em remover a erva
(no entanto) torna-se benéfico,
porque coincide com as intenções
do VOSSO SENHOR. YIN no começo
do Hexagrama --- essa Linha é fraca.
Ocupa uma posição inadequada e
assume que deve descer, humildemente.
A INICIATIVA é exatamente ''nenhuma''.
E fácil é vaticinar as ações
dos propagandistas da mídia
(eles querem vender confiança
COMO se vende horóscopos e desodorantes).
Piando. Inventando. A-perfeiçoando
a própria ANSIEDADE. Mas
se ressentem da ausência
de seus geniais demagogos.
Chamam por Amicis e Proust
recapitulando sacrifícios turvos.
Aquele logarítimo que (não)
está mais nas tábuas.
Destreza profissional
para tapar traumas
com ''felicidade de dar corda''.
DISPUTANDO INUTILMENTE.
Os ávidos turistas apreçam
e agradam as autoridades
com seus rabos de Bolsa de Valores,
com as tranças de seu JOGO.
Entusiasmo PUERICULTOR .
Primeiras máscaras vertiginosas.
Estupefações convertidas em
desenhos de medidas instáveis.
Inauguração de estátua oficiais
contra as múmias prestigiosas do porvir.
LUÁN: desordem, confusão.
QÛN: manada, rebanho, horda.
O Sábio retira-se ''a toda caña''
da Luta de Classes. Fascinante!
O murmúrio do Tibet (e seus ritos funerários)
propondo subornos anexos à AUDIÇÃO.
Cabem ainda algumas dúvidas
insones ao ardil deste inferno acústico.
LIBERAÇÃO ATRAVÉS DA AUDIÇÃO,
animismo xamânico BON (seus brônquios
negociam a Alma com seus tímpanos).
Ali, onde o ruído do mundo
chega COMO um zumbido
nem ao menos insistente,
a Alma aparece na cara.
Caliente sabor de la sangre
''tragada'', mientras los demás
asisten, COMO um cerco
de esperanças horripilantes
e náuseas palavrosas. 
O sábio e seu Bardo,
fazem escala neste DESVÃO.
No CHIKKHAI BARDO:
''Entrarei sem distração
na lúcida experiência do ensinamento
e lançarei minha consciência
longe no espaço incriado RIGPA''.

K.M.