quarta-feira, 26 de junho de 2019

GENEALOGIAS

Antes de mim outros poetas,
depois de mim, outros e outros.
E não bastava ser poeta?, que
a Poesia acontecesse, deixando
atrás cidades vencidas, resistindo
inutilmente? Esporas de pensamento
abrasando em cada bota do poema,
suando sangue no escuro cambiante.
E terçã na rede, enquanto o pós-futuro
obstrui a resignação da bússola, bem
fundo, em subterrâneos condutos.
Mas deixa de tanto sarcasmo!, isso
não calará o prazer dos desanimados
--- negociar-se-á em voz baixa, um
novo governo para os retirados.
Abriremos a janela decisiva que,
mansa, espera pela morte insolente;
demoliremos a memória do mérito,
dos desafios, da claridade e do caos,
e deixaremos uma mínima coragem
com que recomeçar a marcha, até
os cafundós da moral elástica ---
a meada toda de tétrica conjura.
É preciso, ah! é preciso urgentemente
a presunção do número, do desplante
que o olho da Eternidade apodrece
com a vaidade do golpe. De quadros
roubados tudo nasce, mas todos
esquecem: o poeta é maldito, anda!
Cais do Porto: Recife finalmente!
Acabaram-se os nomes ilustres
e as raízes, e os livros fundadores,
indiferentes, estocaram seu cotidiano
numa tenebrosa, atômica semente.
Ao adentrá-la de novo, corajosamente,
o Poeta, réstia tântrica de nada,
muda de nascença, e acende a Luz
das asas sujas de Lúcifer, lá fora,
na catástrofe da Noite Eloquente.

KM

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