domingo, 23 de junho de 2019

PRORROGAÇÃO

Como certas coisas perduram!
Mas esta, ocupa já muito espaço,
e como eu disse: é atroz prorrogá-la.
Enquanto pesquisava a madrugada
sua cadeia bruxuleante de enganos
tornara-se um vapor petulante,
como a respiração de um boi.
E cheguei a esse ponto:
''Não, não sombreie minha mente!
Você me desnorteia. Irei até você.
Deus, que mulher!
Ajude-me então''.
Como única resposta,
os dedos dela mexeram no trinco,
na ilimitada idade das lembranças.
Mais tarde, minhas palavras noturnas
pareceram todas ofensas, ofensas
sobrenadadas por dúvidas
num sombrio rincão de suposições.
Eu observava o sal desta aflição,
vencido na vida como um espectro,
mas vivo na palpitação alegre da Luz.
Vazio das ilusões de erro e acerto...
e o mundo é o Mal, sedento destas.
O azedo semblante relacional
de assustado e hostil
à sombrio, ganhando tempo
com amenidades providenciais.
Enrijecendo o pescoço e guardando silêncio,
eu recusava qualquer ajuda, e a uma
boa distância, já não podia ser notado,
o que parecia-me um bom Caminho.
Repassava na mente aquela lição
que jamais contara a ninguém.
No entanto, todos sabiam
de minhas secretas ânsias meditativas,
do meu escutar atento, de meus prolongados
jejuns e tantras --- e traiçoeiramente todos
me sentiam ferver, estrelando o novo contentamento.
O apaziguamento da mente pela Presença,
o breve contato com a energia superior e
a ansiedade suprema de calar-se, depois.
Na passagem ao acremente hostil e mudo,
do PRATYEKA BUDDHA,
o pressentimento se confunde com a maldade.
Alguma coisa que não precisa ser merecida
logo apresenta-se como dom quintessencial
e assim resume as ansiedades da plenitude.
E talvez o Poeta deseje até ser melhor
do que aparenta, nessas ocasiões.
Apreende com facilidade a sensação 
de pensar muito tarde 
no que era certo dizer,
e alcança o conhecimento-direto,
enxerga os pensamentos dos outros
telepaticamente, e deixa fluir seu Eu
no meio do burburinho auto-reflexivo:
''Como ele mistura tudo!
Parei para olhar duas ou três vezes,
fazia-me sentir esquisita. E agora
eu queria saber se ele falava dormindo.
Me disseram que não. Mas o jeito como
misturou aquilo tudo com outras coisas
me aflijiu; sua educação, sua arrumação
da carga no trem em movimento, e aqueles
argumentos que usava para se manter longe,
o tom cinzento de sua vagarosa marcha
no seu lento desejo do Deserto, brilhando
numa Visão ascética da Colheita, e depois
o riso adoidado que o Dinheiro
não atraía mais, operando aberturas 
na linguagem e invocando  destruiçoes
na sintaxe das negociatas". 
Aludia-se ao poeta apto a reverter 
todas as representaçoes em curso, 
a afirmar a Diferença no Estado,
encenando o mundo das apreensões
numa viagem livre de rótulos,
poética-poiese
do eterno retorno. 
E o apelo à Política, que se preocupa, 
 e já solicita no mundo 
as formas de sua própria representaçao
em meio às representações do Poeta.
Celestes e carnais pedaços
do Poeta, espalhados numa
selva de ressurgimentos parciais
e ficções nos olhos das mulheres,
onde o politicamente correto se trai.

KM


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