domingo, 17 de fevereiro de 2019

Colapso organizacional.

Agora era natural que nos perguntássemos que tipo exatamente de obra seria necessária para acalmar nossas preocupações ... Meu peito passara a inflar ao longo dos dias de trabalho com um velho truísmo organizacional e eu repetia para mim mesmo : '' O bom sangue alemão entende que as bênçãos não vem de Deus, mas sim do trabalho duro '' . Ainda assim, aquela não era uma observação nem muito boa, nem muito exata. O trabalho duro era o de menos, comparado com o trabalho de uma verdadeira inteligência. Além do mais, porque não falar também do sangue austríaco ?? A questão passou a incomodar-me além da conta, certo ? Um determinado sangue possuía virtudes próprias ? Porque diabos elogiar o alemão ? porque não o austríaco ? Eles tinham o imperador que podia conviver com problemas enormes e, com frequencia , idiotas, como manter tchecos, húngaros , italianos, poloneses , judeus e sérvios, além dos ciganos , vivendo em paz dentro de um único império Habsburgo. Mas os alemães nunca conseguiriam fazer isso.  Sempre em querelas  eternas. Sem Bismark nunca teriam sido nada. Principados insignificantes. O rei Ludwig e o rei louco Ludwig II, ambos bávaros doidos. E os prussianos piores ainda. Em todo caso, um belo enigma. Além de uma ocasião para o exercício do bom gosto, na medida em a idéia de gosto passa a se tornar mais precisa para nós, e com ela , aquele gênero tão particular de reação psíquica que levará à formulação de Kant daquele mistério da sensibilidade moderna que é o juízo estético. De repente, a fantasia criativa dos artistas passa a não tolerar mais nenhuma imposição ou limite, ao passo que aos ''não-artistas'' resta apenas ''spectare'' apreensivamente.  Um multidão de súditos transformada em meros ''partners'' do delírio global de um único indivíduo em transe; multidão sempre menos necessária e mais passiva, no limite de um círculo mágico no qual não arriscam entrar. É evidente que o trabalho de reinvenção do artista, nesse caso, apresenta-se como um a trilha acidentada e que muitos são os colapsos ao longo de seu percurso, o que espanta a multidão além da conta : a ameça de desintegração dos sistemas, a impossibilidade de cumprimento dos prazos e as dissidências aparentemente irreparáveis. A multidão concluindo que eu sabia alguma coisa que ninguém sabia. Certamente: EU SABIA O TEMPO TODO.  Um belo enigma .. mas eu estava pensando agora mais como um filósofo do que como um poeta.  E meus discursos diários me permitiam sentir-me belo, secreto e diabólico. Com um domínio absurdo do alimento universal. Pensava (inclusive) nos colapsos presentes de outra forma. Como colapsos organizacionais que ensejavam que a organização do trabalho e dos indivíduos se analisassem com maior rigor e perdessem o medo de afrontar a necessária tarefa da reinvenção o quanto antes. Do contrário, o preço seria a paralisia total do reino. Transformar o colapso em parte de um projeto, para que ele não diluísse o trabalho do desespero numa semeadura aleatória de declarações apreensivas. A invenção de um futuro aparentemente impossível, e o gerenciamento do colapso presente a partir dessa idéia impossível do futuro , implicaria na semeadura do caos concreto . Mas nossa moderna educação estética (é verdade) nos acostumou a considerar normal essa atitude e a reprovar qualquer intromissão no trabalho do artista de gênio , como uma indevida interferência em sua liberdade de ação ; e, certamente, nenhum mecenas moderno ousaria se intrometer na concepção e na execução da obra encomendada atualmente. Em todo caso , a equipe gerencial agora precisava identificar novas competências essenciais ou mesmo construí-las : os pontos fracos das capacidades existentes e os projetos que, caso empreendidos a tempo , reforçarão a musculatura do empreendimento.  A propósito, é notável o que se pode ler em ''Art and Anarchy '',  de Edgar Wind , quando ele diz que os grandes mecenas do Renascimento foram exatamente aquilo que nós acreditamos hoje que um mecenas não deve ser, isto é, ''parceiros incômodos e inábeis '' ; mesmo assim, ainda em 1855 , Jacob Burckhardt podia apresentar afrescos da abóbada da capela Sistina não apenas como obra de Michelangelo, mas como um dom do Papa Júlio II à humanidade : ''ESTE É O DOM '', ele escrevia no Cicerone , ''À NÓS DEIXADO PELO PAPA JÚLIO II.  ALTERNANDO ESTÍMULO E DOCILIDADE , A VIOLÊNCIA COM A BONDADE, ELE CONSEGUIU DE MICHELANGELO AQUILO QUE PROVAVELMENTE NINGUÉM MAIS PODERIA TER OBTIDO. A SUA LEMBRANÇA PERMANECERÁ ABENÇOADA PARA SEMPRE NA HISTÓRIA DA ARTE ''. É claro que hoje a situação é outra, mas a prática de prestar serviços extraordinários aos nossos clientes ainda embute, necessariamente , um alto nível de estresse de todos os sistemas. E a identificação da total invulnerabilidade das lojas de magia negra em suas respostas às exigências de seus clientes é o primeiro passo para o fortalecimento de qualquer área do empreendimento. 

K.M.

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