quinta-feira, 7 de março de 2019

de Horkheimer em A DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO

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''A infatigável autodestruição do ESCLARECIMENTO, força o pensamento a recusar o último vestígio de inocência em face dos costumes e das tendências do espírito da época. Se a opinião pública atingiu um estado em que o pensamento inevitavelmente se converte em mercadoria e a linguagem em seu encarecimento, então a tentativa de pôr a nu semelhante depravação tem de recusar lealdade às convenções linguísticas e conceituais em vigor, antes que suas consequências para a história universal frustrem completamente essa tentativa''.


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''Não há mais nenhuma expressão que não tenda a concordar com as direções dominantes do pensamento, e o que a linguagem desgastada não faz espontaneamente é suprido com precisão pelos mecanismos sociais. aos censores, que as fábricas de filmes mantêm voluntariamente por medo de acarretar no final um aumento dos custos, correspondem  instâncias análogas em todas as áreas. O processo a que se submete um texto literário, se não na previsão automática de seu produtor, pelo menos pelo corpo de leitores, editores, redatores e ghost-writers dentro e fora do escritório da editora, é muito mais minucioso do que qualquer censura. Tornar inteiramente supérfluas suas funções parece ser, apesar de todas as reformas benéficas, a ambição do sistema educacional. Na crença de que ficaria excessivamente suscetível à charlatanice e à superstição, se não se restringisse à constatação de fatos e ao cálculo de probabilidades, o espírito conhecedor prepara um chão suficientemente ressecado para acolher com avidez a charlatanice e a superstição. Assim como a proibição sempre abriu as portas para um produto mais tóxico ainda, assim também o cerceamento da imaginação teórica preparou o caminho para o desvario político. E, mesmo quando as pessoas ainda não sucumbiram a ele, elas se veem privadas dos meios de resistência pelos mecanismos de censura, tanto os externos quanto os implantados dentro delas próprias.

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O medo que o bom filho da civilização moderna tem de afastar-se dos fatos --- fatos esses que, no entanto, já estão pré-moldados como clichês na própria percepção pelas usanças dominantes na ciência, nos negócios e na política --- é exatamente o mesmo medo do desvio social. Essas usanças também definem o conceito de clareza no uso da linguagem e do pensamento a que a arte, a literatura e a filosofia devem se conformar hoje. ao tachar de complicação obscura e, de preferência, de alienígena o pensamento que se aplica negativamente aos fatos, bem como as formas de pensar dominantes, e ao colocar assim um tabu sobre ele, esse conceito mantém o conceito sob o domínio da mais profunda cegueira. É característico de uma situação sem saída que até mesmo o mais honesto dos reformadores, ao usar uma linguagem desgastada para recomendar a inovação, adota também o aparelho categorial inculcado e a má filosofia que se esconde por trás dele, e assim reforça o poder da ordem existente que ele gostaria de romper.

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Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores, materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é a negação da reificação. Mas ele necessariamente se esvai quando se vê concretizado em um bem cultural e distribuído para fins de consumo. A enxurrada de informações precisas e diversificações assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo.

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O fato de que o espaço higiênico da fábrica e tudo o que acompanha isso, o Volkswagen e o Palácio dos Esportes, levem a uma liquidação estúpida da metafísica, ainda seria indiferente, mas que eles próprios se tornem , no interior do todo social, a metafísica, a cortina ideológica atrás da qual se concentra a desgraça real não é indiferente. Eis aí o ponto de partida de nossos fragmentos.



(6)
Contudo, a credulidade, a aversão à dúvida, a temeridade no responder, o vangloriar-se com pseudo-saberes, a timidez no contradizer-se, o agir por interesse, a ´preguiça nas investigações pessoais, o fetichismo verbal, o deter-se em conhecimentos parciais: isto e coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendimento humano com a natureza das coisas e o acasalaram, em vez disso, a conceitos vãos e experimentos erráticos: o fruto e a posteridade de tão gloriosa união pode-se imaginar facilmente. A imprensa não passou de uma invenção grosseira.

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