sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Point de perfection...

Em torno da metade do século XVII , aparece na sociedade européia a figura do ''homem de gosto '' , isto é , do homem que é dotado de uma faculdade muito rara  e particular , quase de um ''sexto sentido'' ---- como inclusive se começou a dizer então ---- que lhe permite colher o ''point de perfection '' característico a toda obra de arte . Os ''caracteres'' , de La Bruyére , registram a aparição de tais personagens como um fato doravante familiar ; o que torna ainda mais difícil , para um ouvido moderno , perceber o que haveria de insólito nos termos com os quais é apresentado esse desconcertante protótipo do homem estético ocidental . ''Il y a dans l ´art '' , escre La Bruyére , ''un point de perfection , come de bonté ou de maturité dans la nature : celui qui le sent et qui l ´aime a le goût parfait  ; celui qui ne le sent pas , et qui aime au deçà ou au delà , a le goût défectueux . Il y a donc un bon et un mauvais goût , et l ´on dispute des goût avec fondement ''.

Para se alcançar a dimensão correta dessa figura , é necessário dar-se conta de que , ainda no século XVI , não existia uma clara demarcação entre bom e mau gosto , e que interrogar-se , diante de um obra de arte , sobre o correto modo de entendê-la , não era uma experiência familiar nem mesmo para os refinados comitentes de Rafael ou de Michelangelo . A sensibilidade daquele tempo não fazia grande diferença entre as obras de arte sacra e os bonecos mecânicos , os ''engins d´esbatement'' e os colossais ornamentos centrais de mesas de banquete , repletos de autômatos e de personagens vivos , que deviam alegras as festas dos reis e príncipes e dos pontífices.

Os mesmo artistas que nós admiramos hoje pelos seus afrescos e obras-primas arquitetônicas se dedicavam também a trabalhos meramente decorativos de todo gênero , e à elaboração de projetos de mecanismos como aquele inventado por Brunelleschi , que representava a esfera celeste ,circundada por duas fileiras de anjos , da qual um autômato ( o arcanjo Gabriel) voava suspenso sustentado por uma máquina com a forma de amêndoa ou como os aparelhos mecânicos, restaurados e pintados por Melchior Broedernan, com os quais se borrifavam água e pó sobre os hóspedes de Filipe, O Bom. A nossa sensibilidade estética fica sabendo (ainda) com horror que no castelo de Hesdin havia uma sala decorada com estória de Jasão , na qual, para obter um efeito mais realístico, foram instalados mecanismos que produziam o raio, o trovão , a neve e a tempestade , além de imitar os encantamentos de Medeia.

K.M.

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