sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O modo de ser da gratidão humana.

A moral de ocasião , na política, sempre foi um leito de Procusto, em que esse famoso bandido da mitologia grega forçava suas vítimas a caberem dentro de um leito pré-fabricado, cortando os pés dos indivíduos e estirando os pequenos pelos extremos. Mesmo os políticos honestos imitam os pregadores da virtude nisso: ainda há líderes e partidos no mundo inteiro que sonham com o ''passo de caranguejo'' de todas as coisas. Mas ninguém mais é livre para ser caranguejo na Aurora que irrompe. De nada adianta mais isso: é preciso ''ir em frente'', quer dizer, passo a passo em frente na ''décadence'' (essa é minha definição do ''progresso'' moderno... ). Pode-se retardar esse desenvolvimento, e, através do retardo, estancar, acumular e tornar a degeneração mais veemente e ''mais repentina''. Mais do que isso não se pode fazer. Ainda assim, os grandes homens serão necessários nos próximos anos, a época em que surgem não é de maneira alguma acidental; o fato de quase sempre se tornarem senhores dela reside apenas em serem mais fortes, mais curtidos, de terem ''mais cabelos brancos'', e que a cultura tenha jejuado por mais tempo à espera deles. Só existem, até onde eu saiba, duas maneiras de se entrar em acordo com grandes homens: ou democraticamente à maneira de Buckle, ou religiosamente à maneira de Carlyle. Existe ainda uma terceira, que é a maneira esotérica, mas essa pertence à uma elite muito fechada. Para o povo em geral, o perigo existente em grandes homens e grandes épocas é extraordinário, pois eles são todos, necessariamente, esbanjadores de energia: sua maior grandeza encontra-se no fato de ''se gastarem'' à larga... O instinto de autoconservação parece subitamente desprezado, retirado dos gonzos, e a pressão  avassaladora das próprias energias transbordantes lhe proíbe qualquer cautela extra desse gênero. Eles são indiferentes ao próprio bem-estar e se dedicam a um idéia fixa, uma causa, uma ''grande causa'', uma pátria, uma ''grande pátria'', impassíveis diante de tudo quanto rebenta à sua volta. O Grande Líder  se derrama, transborda, gasta-se, empenha-se, não se poupa em absoluto. Mas porque  até o mesmo o povo que lhe faz oposição na rua deve muito a esses explosivos, também acabam lhe dando em troca, involuntariamente, uma espécie de ''moral superior''... Este é, afinal, o modo de ser da gratidão humana: ela ''entende mal'' seus bem feitores.

K.M.

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