sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Unidade ulterior, não artificial

O músico que me deslumbrava no momento era Brahms  , e tirando de suas sinfonias algumas passagens deliciosas para fazerem entrar como tema retrospectivamente necessário em uma obra na qual não pensava no momento em que a compusera e, depois , tendo composto uma primeira obra mitológica , depois uma segunda e ainda uma terceira e um quarta , e de súbito percebendo que acabara de produzir uma Tetralogia , devo ter sentido um pouco daquela mesma embriaguez que, por exemplo , Balzac, quando este , lançando a suas obras um olhar a um tempo de estranho e de um pai, achando em alguns capítulo de meu vasto romance a pureza de um Rafael , e em outro a simplicidade do Evangelho , reparei bruscamente , ao lançar sobre eles uma iluminação retrospectiva , que ficariam mais belos reunidos num ciclo em que as mesmas personagens reaparecessem e acrescentassem à obra inteira, nesse ajustamento, a pincelada final , derradeira e sublime, Unidade ulterior, não artificial.  Ou tudo ficaria reduzido à pó como tantas sistematizações de escritores medíocres que, com grande esforço de títulos e subtítulos, desejam parecer que se deram ao esforço de perseguir um só e transcendente desígnio. Não fictícia , talvez mais real até por ser ulterior , por ter nascido de um momento de entusiasmo em que é descoberta entre pedaços que só precisam se reunir , numa unidade que até então se ignorava, portanto vital e não lógica , que não proscreveu a variedade nem ressecou a execução . Ela é (mas desta vez aplicando-se ao conjunto ) como determinado trecho composto à parte, nascida de uma inspiração muito particular, e não exigida pelo desenvolvimento artificial de uma tese, e que vem integrar-se ao resto. 

K.M.

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