sábado, 5 de janeiro de 2019

A OBRA ATROFIA AS INFINITAS INTUIÇÕES DA OFICINA

Alegria momentânea, toda sombria, do silêncio que se auto-observa a um passo de distância do espelho : a incoerência que se deve ao ato de evitar o verdadeiro detalhe , em um jato de palavras sem função real , é uma lição da Arte ----- do todo orgânico de detalhes sem suspiros. O sinal dos peixes no fundo dos rios como letras soltas no inconsciente tentando a escrita automática surrealista em forma imagística ainda é apenas um rascunho escaneando o dia (ou nem isso : um rabisco ) . Um garrancho enquanto não brota do transe real do silêncio da noite, fetal como um personagem gaguejante de Beckett. ''Melhor continuar com os fatos crus '' (eu pensava então ) ''cuja poesia surda é daquela proximidade mística que se experimenta com o próprio cotidiano em estados alterados de consciência. As coisas mais triviais ''frequentemente'' parecem ser mais que o necessário para enfim se empilhar , na soma final de uma ou duas horas de simbiose mental, uma epopéia joyceana inteira na alma. Sempre esperando por aquele característico ''estalo '' nirvânico do Nada que muda bruscamente a velocidade da percepção ---- e através de um  trabalho técnico intenso é mantida pela concentração -----  conforme apareçam ou desapareçam as notas desconhecidas da música que, no fundo da noite, interroga o silêncio profundo. Em certo sentido, há sempre uma abstenção prévia da curiosidade em favor de um trabalho quase ''braçal'' da concentração num ponto , e então... (rascunhos, rascunhos... a obra musical de Beethoven tbm foi antecedida por uma tonelada (mais de 600 ) rascunhos ----- com o mestre nada se perdia completamente, tal como na natureza. Na triplo concerto (por exemplo ) os traços mais profundos da ligação do compositor com a subdominante deixaram sua marca virtualmente em quase toda a fase do quarteto . E ele descarta em seus rascunhos as passagens de transição entre o segundo e o terceiro temas de abertura da Eroica. São trechos que ressurgem como um componente do vasto movimento em direção a mi menor que se inicia no compasso 284 . No  quarteto em fá , o Mestre hesita sobre a manutenção ou omissão de certos sinais de repetição. Na dinâmica característica que mobiliza as imensidões de Beethoven , há uma pressão constante que o leva a relutar sobre a conveniência ou não de manter relegadas idéias que não foram usadas ou não foram citadas, mesmo que sob algum disfarce metamórfico. De fato : existe uma quantidade muito maior de rascunhos do que de obras na história da arte . Talvez porque cada um dos componentes de uma ''obra de arte concluída'' seja uma articulação inevitavelmente redutora e condensada de possibilidades muito mais ricas e interiores. A OBRA ATROFIA AS INFINITAS INTUIÇÕES DA OFICINA. Só rabiscos e pontas de frases diante de um foco concentrado de luz mental ; sedimentos de poemas radioativos na casa ambígua dos sonhos , com muitos significados e existências ,  como um mundo dissolvido em frases que se atropelam . E eu estou agora na beira do mundo em vez de no White House. ''LONG ISLAND '' , anoto no diário . Essas anotações de datas e lugares são sempre funcionais no palimpsesto de versões de rascunhos anteriores e alternativos que subjazem ao produto acabado ( o particípio ''acabado '' sempre carrega em si sugestões sinistras ) . ''AO LONGE EM PAISAGENS PERDIDAS '' (continuei a anotação ) ''O PRÓPRIO EU USANDO UM SUDÁRIO . o QUE SIGNIFICA ?? cONTINUO NUM MINUTO ''.  Mas talvez seja o caso agora de reconhecer que toda minha indiscrição erudita e crítica, como as que se concentram sobre os rascunhos e passagens suprimidas de um texto , levanta inevitavelmente problemas ligados a uma forma definida de legitimidade e a certo ''tato do espírito ''. De volta à luz da interpretação : esses estágios exclusivos do monólogo criativo do escritor desse diário  ou mesmo componentes rejeitados que ele optou por cobrir literalmente em sua composição. Nas frases sonhadas sobriamente durante a noite crescente da lua na costa avermelhada . Aqui ... os primeiros esboços sempre descartados no interior de certas imagens ----- a torção original do corpo do texto, a eliminação e o acréscimo de novas figuras na pintura narrativa de cada capítulo.  É difícil definir o teor exato desse ''modus operandi '', desse ''princípio ativo '' do Nada em ação , que se insinua por meio de uma ''diplomacia cósmica'' entre a superfície e tudo que se encontra sob seus traços aparentes. Os floreios musculares da minha imagem refletida no espelho por toda a noite, numa relação de tensão interna sistemática com o Nada , e em uma terra que  , na verdade , nunca visitei , em todos os 45 estados . Eu queria voltar para Lowell (uma Lowell Imortal que eu nunca vira na vida ) , onde , apoiado nos meus dois cotovelos até de manhã cedo ,  vislumbrei pela janela uma paisagem perdida , liquefazendo-se no horizonte, mas a uma distância que ainda podia ser percorrida a pé ------ tantos assuntos não resolvidos por lá ... ''Daí também ''( eu pensava ) ''o sentido enigmático mas totalmente convincente (e que nos toca quase como uma brisa encarnada ) das vastidões mínimas na reductio de Giacometti . A CRIAÇÃO É TBM MÁXIMA CONSERVAÇÃO DE ENERGIA .O não-declarado tornado perceptível para as percepções superiores, assim como há tempos o elemento telepático penetrara de forma fulminante na obra de Vermeer e Chardin , que praticamente ''pintaram o silêncio '' . E esses eram os mesmos silêncios, ou até maiores, que os que percorriam a penumbra ou o ar iluminado como a camada translúcida nas pinturas chinesas clássica.s  . A pressão do silêncio nessas obras é tamanha que chega a esvaziar o mundo e curvar a luz.  Como traduzir ou transduzir uma ausência tão densa ??? É disso que se trata ? , ou de estabelecer a passagem do tempo ??, de sondar o espaço, meio dormindo, meio acordado na Califórnia espectral, olhando-me como agora, sem expressão. O estado de presença permitindo a corroboração dos outros mundos e uma língua celestial para ''dizê-los ''. CONTINUA...

K.M.

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