sábado, 5 de janeiro de 2019

''TOMAR UM TEMA CONHECIDO E INVENTÁ-LO BEM ''

Criar laboriosamente o nascimento da frase,  os rebentos de versos, deita-los todas as noites fartos de leite, ambrósia, soma, e acariciá-los mesmo sujos, vesti-los cem vezes com o mesmo pensamento até a mais bela ruptura de nível de consciência ; e rasgá-los incessantemente, sem concessões,  a mão indo adiante, pronta à obedecer às disposições criadoras dos comandos da vontade (o viajante invisível tomando nota de um conselho carregado de insinuações complexas, de John Oldhan à um jovem poeta : ''TOMAR UM TEMA CONHECIDO E INVENTÁ-LO BEM ''. Invenção, produção, ato de poíesis não permeável às sugestões de artimanhas sintáticas da linguística e aos speech-acts ligados à idéia de invenção . ----- N ´invente pas (! ) -----, ela disse. Mas ordenar ''ne crée pas '' depois foi mais do que uma frase extrema. Criação e invenção , expliquei-lhe que criar certas imagens implicava ficcionalizar , no âmbito da realidade virtual , cenas e presenças reais que ultrapassavam a percepção ordinária.  ----- Eu não conheço o ''parecer '' (!) ----, protestei, citando Hamlet . ----- Furor pela verdade ??? ----, ela disse, seguindo em sua provocação . Em meu transe não eram poucas mensagens pessoais que eu recebia de sua mente  (talvez ela mesma no seu leito cósmico : o reconhecimento sóbrio do horrível-e--belo, inferno-e-paraíso . ---- Portanto precisamos ser (continuei ) terrivelmente imortais, para reconhecer, aconteça o que acontecer , que algo está sendo ''feito '' (.) K.M. retorna para a agitada e brilhante noite da Time Square : um viajante sujo e maltrapilho do deserto da noite abre o diário; então eu a levo para assistir um filme ambíguo, sobre um mundo em apuros, com pessoas de várias nacionalidades conversando sob telhados retorcidos. Ah (...) ---- , eu disse. Infelizmente, com os começos de um sonho lúcido de nossa amante ocorre o mesmo que com os começos do próprio amor, ou com os começos de uma vocação . Eles se formam, aglomeram-se e passam despercebidos ; quando tentamos lembrar como começamos a sonhar o sonho dela , já estamos dentro dele. Do devaneio de antes eu dizia : é o começo do amor , ATENÇÃO (!) , e mesmo assim ele avançava de surpresa, carregado em alegorias e rastros de passagem dela, quase por comodidade da narrativa opondo aqui e ali  um dito ou imagem reproduzida dela à cena original que marcara o encontro no espaço-tempo . O importante não era a cena, mas a imagem que ela estabelecia de mim mesmo como contra-criador ; alguém competindo o tempo todo com o fiat primal ou o ''faça-se '' bíblico em bases ao mesmo tempo eufóricas e luciféricas. ------ A blasfematória da suma diabológica. No DIÁRIO eu discriminava que a falta de humor característica das descrições hebraicas e cristãs de um Deus revelado seria algo mais inerente à criação pura do que à elaboração organizada de novas variantes sobre um tema ou algum motivo preexistente ... esta última uma invenção excepcionalmente bem-humorada no jogo da chama intelectual viva e tremida do nirvana (.)- ----, eu disse. Misturada ao ambíguo desfile de imagens do próprio sonho , ela não cessava de me assombrar . Digo : ao menos na acepção  de ''thaumazein '', o termo grego  que definiu toda a filosofia. Da mesma forma que o trovão ou as luzes do Norte.  Ter este sonho e transe nesta noite de lua durante a grande conexão não só com assuntos astronômicos , mas com outros MUITO MAIS ESTRANHOS . No quarto agora leve , a liberdade cobria os esforços graciosos de nossa sintaxe, semelhante à criação de um fluido pelo dia. As criações do matemático, do pensador e do artista encenadas na minha à semelhança do Autor de tudo. O diálogo de forças complementares entre Lúcifer e Deus marca toda a secularização e as alterações metamórficas nas formas de se contar uma história, que tão profundamente definem a modernidade e o império da razão pós-cartesiana e pós -galilaica. O percurso escarpado e acidentado da filiação e analogia da criação estética e filosófica moderna com a arquitetura cósmica.  De fato : a dimensão epifânica modula-se nos mecanismos da imagem e da metáfora, numa brilhante fantasmagoria excepcionalmente explorada por, por exemplo, James Joyce .

K.M.

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