Michel Serres
Nos Espaços das mercadorias, o sujeito do saber não é o economista, e sim o complexo militar, industrial, midiático e universitário que se passou a chamar em sue conjunto de ''tecnociência''. Longe de permanecer a guardiã de um templo reservado , a tecnociência é um ''motor'' que traz consigo a evolução acelerada, caótica das sociedades contemporâneas. No espaço do objeto comercial o conhecimento não é mais fechado,trancafiado como um tesouro : insere-se em toda parte, difunde-se, mediatiza-se, semeia em todos os lugares a inovação. A tecnociência, corpo cancerígeno do saber coletivo, efetua uma metástase anárquica. O saber não é mais uma pirâmide estática, um ''empilhamento de corpos '' ---- ele agora incha e viaja em sua vasta rede móvel de laboratórios, de centros de pesquisa, de bibliotecas, de bancos de dados, de homens e mulheres, de procedimentos técnicos, de mídias, de dispositivos de gravação e de medida,rede que se estende continuamente no mesmo movimento entre humanos e não humanos, associando moléculas e grupos sociais, elétrons e instituições políticas. O século XVIII,de Robinson Crusoé e da''Encyclopédie '', assinala talvez o fim de uma era em que um só ser humano podia abarcar a totalidade dos saberes. A enciclopédia do espaço das mercadorias não repousa mais na memória de corpos vivos, nem em um Livro, nem em nenhum sistema fechado : ela circula num espaço de traduções e remissões das quais, como mostrou Michel Serres, Leibniz foi o primeiro pensador. Diderot e d´Alembert já haviam abandonado o diagrama arquitetônico, a hierarquia bem ordenada, já que a Encyclopédie é classificada pela ordem alfabética. Hipertexto , sua verdadeira organização reside na rede de suas remissões internas. A biblioteca enciclopédica expulsa o Livro. E a biblioteca se estende, transborda, tenta ordenar-se a si mesma por seus fichários e índices. As citações e referências desenham uma rede de leituras, de circulações no saber que corroem as antigas fronteiras. Em pouco tempo , os periódicos científicos se multiplicam, derramam marés de artigos que alimentam, por sua vez, inúmeros bancos de dados. Como classificar, organizar a informação científica e técnica, mas igualmente as imagens dos museus de arquivos audiovisuais e o fluxo crescente de informação em geral ??? Os esforços desastrados para utilizar o corpo enrijecido das velhas disciplinas para esse fim só podem fracassar, quando o saber vive apenas nas margens móveis, nas encruzilhadas, nas interferências, quando tudo se torna questão de ''IMPORTAÇÃO-EXPORTAÇÃO '' .Novamente se circula, difunde-se : colóquios, conferências, simpósios, professores convidados, estudantes estrangeiros, encontros pluri-disciplinares, midiatização, guerra de ondas, comunicados ,etc : acredita-se que a comunicação consiste em receber e transmitir mensagens e , portanto, fatalmente, quanto mais pessoas se ''comunicam'' menos se entendem. O Espaço das Mercadorias está obrigado à esse ruído de fundo, às massas agitadas, à hipocondria, à ansiedade e à dúvida, principalmente àquela relacionada aos ''grandes números '' ---- e a ciêntometria apresenta imperturbavelmente suas estatísticas de publicações e depósitos de diplomas. Os paradigmas não vigem mais,não temos mais tempo de construir territórios, esse não é mais o problema : é preciso difundir, circular, formar REDE -- RIZOMA ----- não é mais tempo de ''teorizar'' : modelos, simulacros, operações intelectuais alquímicas. A premiére televisionada, a simulação, o demo infográfica são para a teoria o que o vídeo clip é para o romance clássico. A ciência e as mídias fazem eco umas para as outras, inter-penetram-se , contribuem para inflar a esfera dos signos, sem amarras. Os cenários informatizados multiplicam-se sobre a origem do universo, a guerra nuclear e o buraco na camada de ozônio ou a economia mundial. Esses cenários todos são fruto de uma imaginação acompanhada pela atividade de computadores cuja aceleração deixa longe atrás de si as figuras de ''epistemologia comum ''.A experiência e a teoria, nostálgicas, sentem-se pouco à vontade entre os paradigmas abandonados do Território. Enciclopédia ----- remissão indefinida
K.M.
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Obviamente, para efeitos que só podemos considerar ''evolucionários '' , a BIBLIOTECA TOTAL , A Alexandria de Borges, o Quinto Livro do Evangelho WWW , repousa hoje em grande parte nas novas possibilidade e potencialidades abertas para a representação e gestão dinâmica dos conhecimentos.
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Mais do que um texto de uma só dimensão, ou mesmo do que uma rede hipertextual, lidamos na verdade (para efeitos evolucionários , com um espaço multidimensional de representações dinâmicas e interativas ----imagens fixas e animadas, sons, simulaçoes interativas, todo tipo de interatividade proporcionada pela tecnologia, mapas interativos, sistemas especialistas , ideografias dinâmicas,códigos , realidades e vidas artificiais no limite da cosmopédia semiótica e suas enunciações discursivas.
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Mas não exploramos a COSMOPÉDIA apenas pelo nosso discurso, mas de modo mais sensível ou sensório, segundo caminhos e vizinhanças plenas de sentido ---- entendo com isso que a relação com as representações eruditas pode muito bem simular a mais perfeita relação estética com o mundo, integrando especialmente seu componente de sensibilidade, de projeção mental, ou mesmo sua dimensão imaginária---- figura ideal do saber mergulhada no Quarto Espaço. Arquétipo. Topologia contínua e dinâmica.
K.M.
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