quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Nous faisons nos chemins comme le feu ses étincelles

Com um som longínquo de edredons provisórios '' la bougie où sombrent les ténèbres '' (decauville) eu fazia o romance parecer rústico e apressado como um diário : ''Lequel est l ´homme du matin et lequel celui des ténèbres ?'' . Meu dever habitava-me o rosto durante toda a noite, assim como o corpo ; nas minhas costas , o horizonte giratório de um vidro açafroado reconciliava a pluma escura dos juncos com o plano ácido do mundo ; e aquilo retornava também no sonho seguinte: les bûches tombaient sur cet ordre fragile maintenu en suspens par l ´alliance de l ´absurde ----- durante semanas governando minha meditação com a mesma fria petulância com que administrava-me meu sono, meu café e minha obra. Não o céu, mas o lençol daminha obra, seu barulho de fósforos.   Havia nela agora um espaço hostil mas estranhamente pacificado, onde a luta fôra substituída pelo cálculo sagaz e as circunstâncias.  A prova era minha inexpressividade matemática , um resto de equação se demorando para sempre na cabeça. A visão e os ruídos não vinculados à realidade ordinária . O misterioso : tantôt m ´était soufflé au visage l ´embrasement , tantôt une âcre fumée . Chamava minha discrição social de então de '' a montagem habilidosa do silêncio interno em sociedade '' . À ne pas barrer la route a la chaleur grise ? INNUENDOS (!) ----- de tanto que estava em dia com a atualidade em tantas coisas , sobretudo as palavras-chave do mundo político. Tentador explicar isso mediante um desdobramento : o rastro de um escritor como eu era o desenvolvimento progressivo, harmonioso, das partes que um dia iriam frondosamente integrar a árvore dada ao vento ; as etapas , as fixações , a organização dos sistemas sensitivos, intelectuais e morais em torno de noções de vivências ''proved upon the pulses '' , como dizia Keats . Nesse diário, a leitora me vê muitas vezes suspeitando de que morrerei cedo ; desde o começo, porém , sua intuição sabe que não será assim . Então , não há pressa, não há improvisação , não há golpes de mão como aqueles que angustiaram o rastro de Byron ou Balzac.  Escrevo estilizadamente, e imprevisivelmente, pois acredito em fazer as coisas de modo imprevisto . E há uma segura cenestesia no meu estilo que me permite controlar e distribuir na vida , em distâncias harmoniosas , os produtos mais altos da cultura. O valor pascalino da leitura que já é em si um encontro, por partir para aquilo que intimamente já é  : um ''eu'' deambulatório (solvitur ambulando ) como foi estudado por Rivièri em Rimbaud ---- par le sens on va à la page . Não somente palavras, literalidades, mas valores, ângulos de ataque e defesa, posição. O que se diz no fim é sempre resíduo de uma operação maior, é a notação abstrata de uma totalidade em cujo centro está um calor sem nome, místico, um puro ser presente , um silêncio vivo que é um ''eu '' , a verdadeira escritura. Matéria tão polida ao ser desenhada por nossos olhos do lado de fora que a luz se alegra com o traço e penetra em cheio. Com humor (virtude que, no caso, ajuda a acabar com o pessimismo de qualquer epígrafe ) toco minha espada no ombro da página : '' I ´était de la race des diamants , qui coupe la race des vitries '' . sustentáculo e disponibilidade da inteligência, reconhecendo que a Beleza nos ultrapassa , um desejo sem forma a descobre para nós e nossa pele nos leva a crer nela, a aceitar sua contínua afirmação. Nous faisons nos chemins comme le feu ses étincelles. É o que dizem meus textos ---- e sua força inevitável vem de que não exatamente ''dizem'' , mas dão à leitora a coisa em si , que logo entra nessa ordem que é o ''eu ''.

K.M.

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