quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

MAX KOMMERELL

 A crítica em três níveis, comparáveis a três esferas concêntricas : o nível filológico-hermenêutico , o nível fisionômico e o nível gestual. O primeiro desenvolve a interpretação da obra , o segundo a situa ( tanto na ordem histórica quanto na natural ) segundo a lei da semelhança, o terceiro resolve sua intenção  em um GESTO  (ou constelação de GESTOS ) . Pode-se dizer que todo crítico autêntico percorre esses três âmbitos, demorando-se mais ou menos , conforme sua índole , em cada um deles. A obra de Max Kommerell ---- certamente o maior crítico alemão do século XX depois de Walter Benjamin e talvez a última grande personalidade da Alemanha entre as duas guerras que ainda está por ser descoberta ----- se inscreve quase integralmente no terceiro âmbito , onde mais raros são os ''talentos supremos '' (entre os críticos do século XX, além de Bejamn, só Rivière, Féneon e Contini figuram nele plenamente ) . Mas o que é um GESTO ??? Basta percorrer o ensaio de Kleist , O POETA E O INVISÍVEL , para medir a centralidade e complexidade do tema do gesto no pensamento de Kommerell e a determinação com que ele reconduz sempre a intenção última da obra a essa esfera. O gesto não é um elemento absolutamente não -linguístico, mas algo que mantém com a linguagem uma relação mais íntima e sobretudo uma força que opera na própria língua, mais antiga e mais originaria, que a expressão conceitual corrente: o gesto linguístico (Sprachegebarde ) é a foma com que Kommerell define aquele estrato da linguagem que não se esgota na comunicação e a apreende, digamos assim , em seus momentos solitários : '' O sentido desses gestos não se realiza na comunicação.  O gesto, por mais coercitivo que possa ser para o outro , nunca existe unicamente para ele ; pelo contrário , só na medida em que existe tbm para si próprio é que ele pode ser tão coercitivo para o outro . Mesmo um rosto sem testemunha tem sua mímica ; e é difícil saber se o que deixa em sua superfície a impressão mais profunda são os gestos com os quais ele se entende com os outros ou aqueles que lhes são impostos pela solidão e pela conversa consigo mesmo . Muitas vezes um rosto parece nos narrar a história de seus momentos solitários '' (Max Kommerell) . Nesse sentido, Kommerell pode escrever que ''a palavra é o gesto originário '' (Urgebarde) , do qual ''derivam todos os gestos singulares '', e que o verso poético é  um a essência e um gesto ---- a linguagem é ao mesmo tempo conceitual e mímica. O primeiro elemento domina a prosa, o segundo, o verso. Na medida em que não tem propriamente nada a exprimir e nada a dizer além do que é dito na linguagem , mas deve exprimir o próprio ser na linguagem  ---- o gesto é sempre gesto  de não conseguir compreender-se na palavra, é sempre ''gag'' no significado próprio do termo, que indica em primeiro lugar algo que se mete na boca para impedir a palavra, e depois a improvisação do ator para remediar uma possibilidade de falar. Mas há  um gesto que se intromete de maneira feliz nesse vazio da linguagem e, sem proferi-lo, faz dele a morada mais própria do homem : aqui, a perda se torna dança, e o ''gag'', mistério.  No livro sobre Jean Paul , para alguns sua obra prima , Kommerell delineia a seu modo essa ''dialética do gesto '' : ''O início é um sentimento do eu que, em todo possível gesto e especialmente em cada gesto próprio, experimenta algo de falso , de uma deformação do interior , em relação à qual toda fiel representação parece uma blasfêmia contra o espírito ; e que olhando-se ao espelho, percebe um panfleto colado aos ombros, que lhe foi incorporado e, olhando para fora, vê com espanto e consternação nos rostos de seus semelhantes apenas um montão de máscaras cômicas --- a incongruência entre aparência e essência e o fundamento tanto do sublime como do cômico ; o corpo , como signo ínfimo , indica o indescritível '' (M.Kommerell ) . Ao gesto exasperado de Jean Paul , Kommerell contrapõe o gesto goethiano, que guarda em um símbolo o enigma de suas personagens.  ''Muito raramente , e só para a encantadora desmesura de seus dois demônios femininos, Goethe toma excepcionalmente a iniciativa de um gesto que compete unicamente a eles. É um gesto que é repetido e que contém  de algum modo a pessoa, seu símbolo . O assistente descreve de que modo Otília recusa qualquer coisa que se exija dela : ''Aperta as mãos , erguendo-as no ar , depois as leva ao peito , enquanto se inclina um pouco para a frente e fixa com um tal olhar quem a persegue que este renuncia de boa vontade a tudo que desejava dela ''. De igual modo, diz-se de Mignon que ela põe a mão direita no peito , a esquerda na testa , e se inclina profundamente. Com meios tão simples, Goethe se apodera de uma natureza que vive nas margens do humano.  Mas seus gestos não são excessivos, como os de Jean Paul, mas plenos de contenção, e guardam em si o enigma contemplativo da figura. 

K.M.

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