sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

...inteiramente do NADA. --- Um período desprovido de fundamentos... --- Reaprender o antigo acordo ... ---Relação de inter-esse como relação de ser. --- ...na Clareira impera o Inefável.

...inteiramente do NADA.

Por se tratar de um extração, toda criação é uma forma de trazer para fora (como tirar água da fonte: é claro que o subjetivismo moderno mal-interpreta de imediato o criador no sentido do genial resultado logrado pelo sujeito soberano. A fundação de uma verdade não é apenas  uma fundação no sentido de ''livre doação'', mas também no sentido de um ato fundador que coloca seu fundamento : o projeto poético iniciático é aquele que vem inteiramente do NADA, do ponto de vista de que nunca recebe seu DOM do que é corrente no mundo ou até agora conhecido.

K.M.

Um período desprovido de fundamentos...

No período contemporâneo, foi dito que o homem se encontra dis-posto
como força de trabalho diante da postura imperativa da essência da técnica
moderna ou Estrutura de Arrazoamento. O errôneo sentimento de posse indica que,
inadvertidamente, o homem se acha condutor da técnica e dominador da sua
maneira de conhecer o mundo, todavia, reside aí um engano fundamental. A técnica
hoje já coloca a espécie humana no patamar de produto, pois a partir de si mesma
extrai do homem seu tempo, seu esforço e seu pensar.

O poeta Hölderlin atenta para o crescimento de um perigo que em sua época
se mostrava embrionário. Porém, é determinante a todo pensador e poeta originário
a projeção ao futuro, o discernimento de falar para o desconhecido e a abertura
fundamental para desvelar o mundo e alertar seus habitantes. Assim se define por
excelência a tarefa da filosofia de Martin Heidegger, ou seja, é mediante um
diagnóstico da própria história do ser e da metafísica que se dá o advento da
modernidade e assim se transforma um paradigma existencial. Heidegger resgata do
passado pistas para o redescobrimento da parcela mais determinante ao ser do
homem e que parece distante devido à falta de cuidado dele mesmo com o mundo e
com a própria essência das coisas. O pensamento averigua na poesia um novo
caminho, divergente daquele modelo engessado pelo emprego da Estrutura de
Arrazoamento. Desta forma, um poeta e sua voz, são capazes de promover um
retrato fiel da ameaça constante e, consequentemente, atentar para outro tipo de
saber que tem como ponto de partida se desagregar radicalmente do mote
calculador determinante no empreendimento científico.

Sob os ombros de Hölderlin repousa o fardo de ter ficado para história como
aquele poeta originário que representou fielmente seu povo e também trouxe
consigo o relampejar dos deuses tão presentes outrora e hoje envoltos na névoa
embaçada de um período desprovido de fundamentos.

K.M.

Reaprender o antigo acordo ...

A história que temos no Ocidente, na medida em que se baseia na Bíblia, baseia se numa visão do universo que pertence ao primeiro milênio antes de Cristo. Não está de acordo nem com nossa concepção do universo, nem com nossa concepção da dignidade humana. Pertence inteiramente a algum outro lugar. Hoje, temos que reaprender o antigo acordo com a sabedoria da natureza e retomar a consciência de nossa fraternidade com os animais, a água e o mar. Dizer que a divindade modela o mundo e todas as coisas é condenado como panteísmo. Mas panteísmo é uma palavra enganadora. Sugere que um deus pessoal supostamente habita o mundo, mas a idéia em absoluto não é essa. A idéia é trans-teológica, de um mistério indefinível, inconcebível, admitido como um poder, isto é, como a fonte, o fim e o fundamento de toda a vida e todo o ser.

K.M.


Relação de inter-esse como relação de ser.

No templo grego, o que a presença (Dastahend), a construção do edifício, produz, é o advento do deus instalado em sua verdade. É nessa instalação que a obra consiste a partir de sua origem. Só quando o mundo aparece numa forma tangível, que dá à obra seu caráter de obra, existe criação artística autêntica, como atividade individual mediadora. Desde a sua técnica nascente no trabalho artesanal, que elabora materiais diversos, tratados de certa maneira, a obra surge ao mesmo tempo que a verdade operante nela instaurada. Exercido sobre materiais não propriamente usados como meios nem consumidos para um fim, a arte produz e mantém, na obscura materialidade que também os liga à terra, as cores como cores, os sons como sons, a pedra como pedra e a palavra como palavra. Daí dizer Heidegger que a arte produz e mantém ''A PRÓPRIA TERRA NO ABERTO DE UM MUNDO''.  Interrompendo o envolvimento cotidiano, forçando-nos a ver o mundo através do que ela ''abre', a obra não é objeto de contemplação desinteressada. Há entre nós e a arte uma relação de inter-esse como relação de ser. 

A experiência estética é só um dos efeitos derivados da verdade da obra de que participamos.


K.M.

...na Clareira impera o Inefável.

 A imagem de uma floresta assemelha-se à existência humana, vários são os caminhos possíveis para se chegar a uma Clareira. Os gregos falavam do ser com o ser e para o ser, pelo menos até racionalizarem o falar, associando a alétheia à retidão argumentativa da lógica; a contemporaneidade enxerga a tudo com os olhos da técnica, o efeito conta mais que o sentido, há uma primazia da Razão sobre o Ser, que aliena o homem de seu sentido, "esta relação (o pertencer originário da Palavra ao Ser) permanece oculta sob o domínio da subjetividade que se apresenta como opinião pública" (Idem, Sobre o "Humanismo", 1973:349). A sociedade domina o significado possível de um termo e conduz seu uso a um fim específico, destruindo, assim, a essencialidade ontológica da língua. Os gregos nem ‘filosofia’ usavam para designar o ato de pensar, a dimensão do agir ultrapassava as concepções de um tempo sobre si mesmo, as palavras quando perdem seu poder de ser, tornam-se técnicas, correspondem ao instituído (dicionários, gramáticas), não trazem mais ao homem a alteridade instauradora do real.

A consciência advém do fato da língua permitir identificar o ser como ente ‘ec-sistente’ (ser revelado) e dependente da linguagem. Mas o que entendemos como linguagem não nos leva ao ser, no máximo indica-nos o Caminho da Clareira. "A libertação da linguagem dos grilhões da Gramática e a abertura de um espaço essencial mais originário está reservado como tarefa para o pensar contemplativo e o poetizar". Nossa relação com a linguagem deve ultra-subjetivar-se (ir além do sujeito), nada deve comandar a linguagem, pois na Clareira impera o Inefável, ante o qual nossa língua e nossa identidade nada são.

K.M.

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