quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Posse e porte do poeta.

Talvez ninguém tenha sabido como Kommerell ler esse impulso da época para uma libertação e uma absolutização do GESTO. No ensaio ''A poesia em ritmos livres e o deus dos poetas '' , ele olha a poesia unicamente nesta perspectiva: o que os poetas procuram sucessivamente nas figuras do anjo, do semideus, da marionete, nos animais de poder,  não uma nomeável substância qualquer, mas apenas a figura da nula existência humana, de seu ''contorno negativo '' e, ao mesmo tempo , de sua auto-superação não em direção a algum lugar, mas na ''intimidade do viver aqui e agora '', em um mistério profano cujo único objeto é a própria existência. E talvez nunca tenha lhe acontecido exprimir com tanta clareza a intenção última de sua escrita como no ensaio sobre Wilhelm Meister, em que ele,como foi notado, ''confessa-se do modo mais explícito de que é capaz'' :

'' Sim , o caminho que Wilhelm Meister percorre é, em sua mundanidade, um caminho de iniciação ; ele é iniciado à própria vida.Uma iniciação se diferencia de um ensinamento ou de uma doutrina . E se é, pois, a própria vida a iniciar , ela pode fazê-lo não graças a qualquer instituição sagrada  ,mas fora desta.  SE o Estado pudesse ainda ensinar, a sociedade ainda educar e a Igreja ainda santificar... então avida não poderia iniciar. Trata-se da vida em sua pura mundanidade, em seu caráter puramente terreno, puramente contingente , e é ela, precisamente, que se inicia. Com efeito, foi aqui confiada à vida uma potência que era habitualmente exercida só no interior de esferas sagradas ; mas agora ela é a própria esfera sagrada, a única que resta no mundo. E ao que inicia ela ???Não a seu sentido, só a si mesma. A algo que , em sua materialização em beleza, paixão e enigma, e confinando em cada ponto com o sentido , mas sem nunca proferi-lo, permanece completamente inominável, provocando o assombro de todos. Ela possui então um segredo ---- não , ela mesma é um segredo . Depois de cada grandiosa realização particular , por mais constrangedora que venha a se tornar,depois de todo e terrível  e insípido desencanto, ela regressa a seu segredo. E se nos velhos romances do barroco cristão a série dos singulares desenganos se concluía com o desengano do homem em relação ao mundo e a si próprio , para sempre, irrevogavelmente, aqui pelo contrário todos os desenganos conduzem  apenas a este resultado : a própria vida permanece secreta e, em contrapartida, seu fascínio cresce, porque não mantém o que prometeu , MAS MUITO MAIS ! Os gestos voltam a exudar poder. Talvez até não se devesse chama-la de ''sagrada '', porque estamos habituados a relacionar o conceito de sacralidade com determinado  âmbito religioso ou moral. Não,do fato de ser confiado à vida esse poder de iniciação, nasce algo novo, um mistério do cotidiano  e do mundano , que está na posse desse poeta''.

Max Kommerell

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