sábado, 5 de janeiro de 2019

PATRONO DIONISO

Já tentei chamar a atenção para aquilo que permanece uma verdadeira ''terra incógnita '' em linguística,  na poesia e na epistemologia (cuja análise aliás continua sendo mérito exclusivo de Husserl ). É a questão da fala interior ou do discurso que mantemos continuamente conosco. É um solilóquio que nunca é expresso; que na verdade abriga em si uma enorme massa de speech-acts e que excede largamente, em densidade e volume, a linguagem usada para a comunicação exterior. Sua articulação tbm se encontra sob constantes pressões formadoras ou inibitórias exercidas por circunstâncias históricas e sociais e pelo estatuto  público de gramáticas e vocabulários, embora nada os impeça de serem enriquecidos pelo próprio exercício da mesma fala interior e seus elementos de um jargão pessoal . É perfeitamente possível que até recentemente, nas culturas ocidentais, o solilóquio tenha representado a eloquência que nunca foi ouvida, a poesia e o vitupério de incontáveis mulheres.  Nossos verdadeiros familiares  são os ''egos '' ou ouvintes espectrais aos quais endereçamos as correntes lexicais, gramaticais e semânticas de uma fala silenciosa. Nossa consciência, mesmo quando nossa audição interior e nossa capacidade de atenção continuam intermitentes, é constituída por um monólogo das inúmeras individuações cujos poderes criativos e cuja capacidade para gerar apreensão ou conforto ou introversão ou fantasia ainda não foram convenientemente analisados. A solidão ontológica do momento criativo e o ''autismo '' do poeta ou do artista , suspeita-se, são muito comuns. O ''outro '' , em cuja presença o escritor ou compositor trabalha, sempre foi, de tempos em tempos, um deus relativamente bem idealizado . É ele o CRIADOR , e o PATRONO da obra. O único juiz justo de tudo. E o juiz justo  e o único crítico justo é tbm Dioniso-Cristo, que se orgulha, aprecia e admira os dons de sua própria criação mais que qualquer homem, e mais do que é capaz o próprio receptor. Testemunha qualificada de sua própria intenção e de sua própria habilidade;  o crítico criador do próprio projeto; o partidário do ideal estético próprio para quem todo diálogo e rivalidade são dádivas de generosidade. Nesse caso, a influência não é mais especificamente uma forma de angústia, mas de colaboração, entregando seus convites a despeito de qualquer cronologia. No momento em que a compreendemos em seu estado original, orgânico, dionisíaco e xamânico, a arte passa a pulsar com anunciações. 

K.M.

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