quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

CADERNOS.

Uma vida plena não dotava melhor o pensamento do indivíduo que escrevia, eis tudo ---- e até que ponto podia ser aproveitado aquele material que pedia para ser transformado em literatura (?) A irrupção do Nada no meu vocabulário filosófico transformara-o rapidamente no conceito fundamental da minha reflexão diária: meu Nada agora era Nada mesmo. OS CADERNOS DO NADA . Um momento mais em frente ao espelho , fingindo pentear o cabelo que já estava penteado. Atentamente, pela milésima vez o espelho , o mesmo bem-estar do espelho, a sabedoria do espelho de rosto cinzento , lábio inferior revolto como recém saído de um contato com a voz, e sobretudo a atitude de Eterno Retorno . Conclusão assombrosa de um lúcido diagnóstico do presente. Agora o fenômeno do Nada estava posto de forma suficientemente clara ---- a licença esgotara-se n mergulho numa intensa análise histórica e conceitual , cadernos e mais cadernos determinando o que era a metafísica, o que era o Nada,  e como eles se relacionam e definem a essência do Ocidente no confronto com Nietzsche . quase o emblema do tipo de escritor que eu era quando dizia : ''Vou mudar a maneira de narrar '', e falando sério, no início parecia que não estava mudando nem um pouco. Depois, prossegui com sinceridade e convicção o caminho do romance até o monólogo interior, revelando aquela parte do personagem que pedia para ser transformada em diário. E logo eliminei também a idéia de diário , do romance e do que que quer que fossem aquelas 3.000 palavras manuscritas numa página para 300. Não importa. O no escribes, eso es todo. Um perfil mais ou menos desejado e até certo ponto compatível com a própria voz. Já com o lápis na mão e na mesma posição oblíqua, senti algo que me ofereceu a oportunidade de comparar-me a uma estátua de mim mesmo, na atitude de escrever . Mas eu começaria escrevendo aquela noite mesma, em casa sábado à noite, melhor lugar e melhor hora : comecei lendo 50 páginas do Diário de um escrito de Dostoiévski e então rasurei o esboço de uma defesa dos restritos mas invioláveis espaços de interioridade individual. Além daquela linha  do Nada, os únicos objetos de análise eram Nietzsche e Dostoiéviski . A ultrapassagem fiz andando seis quilômetros às cinco da manhã, e lendo quarenta páginas de Monsenhor Quixote, de Graham Greene,  o que  me fez voltar a remoer a idéia do Nada, procurando não confundir as fermentações de uma cabeça vazia com a germinação de uma idéia originária que se resolvia num contato com um arquétipo eterno . Escrever e meditar eram a mesma coisa para um iniciado , alguém como eu dava o melhor em tal pensamento e não procurava produzir palavras como quem produz uma noite. A trama do Nada era rica por causa dos ''anos'' ---- não das ''horas'' . O Tempo não existia para o Nada vivo e giratório no interior dos instantes, chakra maior da esplendorosa Eternidade.

K.M.

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