quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O ''ponciopilatismo'' de Rimbaud .

Porteront rameaux ceux dont l ´endurance sait user la nuit noueuse que précède et suit l ´éclair (?) A criação absoluta , sem possibilidade de erro , o acordo perfeito entre uma idéia e seu juízo , entre um sentimento e sua imagem , entre uma vontade e sua projeção e sua práxis . O literário resulta da combinação de heterogeneidades em potencial com heterogeneidades em ação.  Por isso o escritor continua : Valery ou a poesia inglesa , ou Mallarmé chegando ao plano metafísico com  seu extenuante bater de asas, ou brilhando abstratamente através desse quase nada de esforço que são meus próprios atos poéticos, quase imóveis saindo da memória ,  esquecendo que esses são os despojos da grande e silenciosa tormenta, do furacão sem vento que se desenrola nos interstícios do mundo . Um livro em que o sentido excede o dito , numa proporção pouco frequente na literatura.  Aquela lentidão narrativa de James Joyce somente quando se quer : mas as passagens mais lentas são as grandes passagens da Ars poética : quando concebido como empreendimento iniciático (não nos cansamos de dizer) logo torna-se epifania , Ápice, etc, culminando sucessivamente o nirvana . O poeta passa a chegar ao poema em estado extra-humano e excepcional. Mas um grande poeta não necessita sequer dessa encenação metafísica, racional ou emocional . O ''ponciopilatismo'' de Rimbaud : ''Si le cuivre s ´éveille clairon, C´EST PAS MA FAUTE ''. Isso esclarece um pouco nossa noção de indivíduo . Primeira coisa que a leitora deve notar aqui : Se realmente fosse possível conceber o ''indivíduo em estado puro '' ( Du Bois ) , sua consciência o obrigaria a rechaçar a participação num progresso que não fosse só seu. E responderia à teoria do ''roman pur '' comparando o romance ao mar ---- Qual o sal desse livro (?) (nos perguntaria ele ) pois acontece com o sal épico o mesmo que acontece com o sal químico : ele torna mais duráveis as coisas às quais se mescla. E essa durabilidade é exatamente o critério da literatura épica , algo distinto dos outros gêneros literários ; algo que aumenta a história carusianamente , incluindo em seu fluxo todas as vozes do tempo , obrigando-as a se organizarem, a buscarem altura , a darem rasantes, a situarem-se em profundidade para ''conservar'' e ''revelar'' certas coisas. MÃOS HÁBEIS e um método de contraponto : Gradus ad Parnassum ; Czerni , arpejos --- a técnica ! O método ! O veneno !  O piano não muda, mas modela o homem --- as mãos livres se transformam em MÃOS HÁBEIS.  A anedota, o mot , breve fulgor mais intenso que a descrição ... desde o século XVIII que fixar essas frases-chave é uma tarefa importante. A 'entourage' , os elementos anedóticos fixados, antecedendo a explicação e a central de conceitos. O sombrio trabalho da anedota na minha prosa: um repertório de idéias e um jogo de sensações e sentimentos. Certos ritmos  exigem suas próprias distinções . E as primeiras que noto é no meu ritmo verbal : adeus à prosódia, adeus vírgulas e pontos ; que as cláusulas das frases imbriquem-se entre si , sobre essas débeis pontes de vírgulas, como o fluir de ondas de cadeias adjetivas . Sensação de jogo limpo : não de convencimento retórico, nem de demonstrações, nem de descrições ---- o impulso de expressar blocos de matéria poética ( espécie de submissão à mecânica, no plano literário ) , a forma como esta matéria se oferece à prosa me conduziu a desfazer definitivamente a horizontalidade sucessiva ---- sempre, sem si ,  reflexo e instrumento , o mais próximo possível da matéria a expressar (crônica de côrtes e cortes --- antropofagia) , experimentando um dizer que é um dizer daquilo que aparece aí . Não importa a ordem dos elementos , e não importa se na verdade tu és o vitral ---- será pouco a pouco que o vitral te dará um sentido para sempre . Leur parole reçoit existence dufruit intermittent qui la propage en se dilaceránt .

K.M.

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