sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Preparando o Evento

O estudioso argentino Néstor A. Corona dedicou grande parte da sua pesquisa na questão envolvendo o complexo emaranhado teórico presente nas '''Contribuições'', de Martin Heidegger. A dificuldade por vezes intimidadora do texto revela por baixo de sua dura casca a profundidade do debate sobre a intervenção dos futuros no preparo para a vinda do Último Deus. Corona acentua em seu livro Lectura de Heidegger – La Cuestión de Dios, que o pensador buscou forjar uma nova linguagem modulada pela escuta da palavra poética. A partir da escuta se abre a experiência de aproximação à verdade do ser. Na nova linguagem colocada por Heidegger, melhor se mostra ao pensamento o originário sentido do ser (Seyn). Segundo Corona, a palavra que melhor explicita esse salto em direção ao novo pensamento em Heidegger é o Evento (Ereignis). De acordo com Corona em seu livro:

Lo Ereignis es dicho por el pensamiento que, desde el ser, ya supera progresivamente el ser y el ente, y por el pensamiento en pos de la poesía. Este último, que como tal “ha dejado atrás” “ser y ente”, dice lo suyo y no ve inconveniente en hablar de lo Ereignis, haciendo que ese término, al aparecer en su propio “estilo” de hablar, que como tal muestra algo peculiar, deje ver consigo algo de nueva profundidad. Y al mismo tiempo este pensar que sigue a la poesía dejará entrever su coincidencia con el pensamiento que desde el ser habla de lo Ereignis, en lo que éste últimamente experimenta, a saber, el silencio.(CORONA, 2002, p. 133–134).

Segundo Heidegger, em Contribuições, devemos preparar o pensamento retornando ao passado, lá onde os deuses se encontravam próximos aos homens, para somente assim alcançar um modo para a apreensão do ser (Seyn). Heidegger chama de evento (Ereignis) a palavra guia para que o pensar inicial se desdobre como silêncio e a partir daí se instaure o novo paradigma. Como bem salientou Corona, o Evento (Ereignis) se enquadra no estilo de falar de Heidegger, mostrando, a partir dele, uma nova profundidade ao pensamento através da poesia e do silêncio. Tal silêncio facilita a escuta da ressonância condutora presente na disposição fundamental dos futuros. A linguagem poética deve fazer-se ouvir, pois dela se retira a matéria prima para a obtenção do pensar inicial. Os futuros devem se encontrar na disposição fundamental de ânimo e coragem para seguir como detentores da sabedoria do Evento (Ereignis). 

(Mais um termo heideggeriano de difícil assimilação. Ereignis é a palavra-guia nas Contribuições e se desdobra como o sustento ontológico do homem, bem como a guarda fundamental da recusa para com o pensamento tradicional. Dina V. Picotti traduz as Contribuições para espanhol e o Ereignis como “Evento”. Nessa pesquisa, usarei a sua tradução agregada ao termo original entre parênteses.

Por sua vez, o professor Marco Antonio Casanova em seu livro Compreender Heidegger traduz o Ereignis como ACONTENCIMENTO-APROPRIADOR, expressão que dá ensejo a uma interpretação arrojada do termo em questão.)

O que Heidegger chama de ressonância condutora nada mais é do que a capacidade de comunicação dos futuros, através de sua obra, com aqueles ainda presentes no tempo de penúria.

Sobre isso, Heidegger tem a dizer na obra Contribuições:

Resonancia y pase, salto y fundación tienen cada uno su disposición conductora, que concuerdan originariamente a partir de la disposición fundamental. Las disposiciones conductoras están dispuestas y disponiendo en consonancia recíproca. La consonancia originaria de las disposiciones conductoras es apenas plenamente entonada a través de la disposición fundamental. En ella están los futuros, y en tanto así dispuestos son de-terminados por el último dios. (HEIDEGGER, 2003b, p. 317–318).

Néstor Corona desbrava as Contribuições retirando de suas rebuscadas e misteriosas proposições a certeza da preocupação de Heidegger ao enquadrar sua fala em um momento histórico de importância para se decidir o destino da humanidade, tal qual o que vivemos nos dias de hoje. A época em questão se estende desde o princípio da técnica moderna e se encerra naquilo que Heidegger denomina “outro começo” . Este acontecimento se prenuncia a partir da chegada dos futuros e seus sinais. Os sinais, segundo Corona, estão presentes na poesia e nos termos cunhados por Heidegger que propõem a superação do pensamento metafísico tradicional, bem como suas seqüelas culturais e históricas. O novo começo vem para inaugurar uma nova história, os sinais surgem lentamente e é necessário tempo e esforço por parte do homem para captá-los com suficiência e inteligência.

Com efeito, e mediante tais dificuldades, a preparação do homem para a chegada do Último Deus é mais propícia no período do declínio mundial. Os futuros são aqueles mais resistentes e perseverantes, dispostos realmente na condição de intérpretes e porta-vozes. Sobre os futuros e o Último Deus, Corona diz:

Los futuros son aquellos que en esta época de transición se refieren ya en alguna manera al Dios que viene, al “último Dios”. Y entre tales hombres hay los que más propiamente son los futuros, y los que preparan a éstos, su percursores. (CORONA, 2002, p. 205).

E Heidegger sentencia nas Contribuições:

Do alemão ''Anderer Anfang'', que significa “outro começo”.

K.M.

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