sábado, 5 de janeiro de 2019

Memória da água digital.

 Tudo aconteceu quando estávamos içando uma vela rizada no traquete, ao cair da noite. A vela do traquete, rizada (!) Dá para imaginar o tempo que fazia : minhas navegações, meus percursos de inscrição, minhas trilhas no plano de imanência do Logos. Todo o espaço reorganizando-se à minha volta,   segundo minhas histórias, meus interesses, minhas interrogações, e minhas enunciações anteriores.  E aquela era a única vela que nos restava para garantir o avanço do navio; e dá para advinhar como andava o tempo nos últimos dias. Uma faina complicada e nervosa. Tudo o que nos concernia nos envolvendo o mais próximo possível, dispondo-se prontamente  ao alcance de nossa mão. Mas o que de fato nos importava distanciava-se pouco. AS distâncias eram subjetivas.  E as proximidades imediatas refletiam significações em contexto. O Tempo estava horrível --- acredite --- e o navio muito pesado. Pela implicação infiltravam-se  os grandes números do Espaço das mercadorias, e nós também estávamos meio loucos de medo. Não era a ocasião para uma repreensão comedida, de modo que me virei e bati em retirada, para o convés.  Pela simplicidade da imersão, eu escapara à complexidade e suas redes labirínticas. Então, o mar se levantou e veio para cima de mim; nós os engalfinhamos bem no momento em que uma onda pavorosa varreu o navio. Todos viram a onda chegando e se agarraram ao cordame. ---- CUIDADO (!) ----, gritaram . Então, um estrondo como num céu de tempestade, e por mais de dez minutos ninguém enxergou mais nada no navio.  Só os três mastros, a parte dianteira do tombadilho e tudo foi tomado pela água --- avançando em meio a uma nuvem cerrada de espuma. O nado (navegação, consulta, interrogação e inscrição ) depois a respiração vindo à tona. Memória da água digital : Ficara claro para todos que eu, o Capitão do navio, não estava brincando. E enquanto isto o navio estava entregue à própria conta, o tempo todo em perigo, podendo se acabar a qualquer momento naquele mar de deixar qualquer um de cabelos brancos. Meu nado (porém ) modificara a estrutura do espaço comum, assim como a forma e a posição de minha própria imagem no Logos (meu navegador pessoal ). O mesmo ocorria, em escala micro, no mergulho de cada um dos tripulantes, em cada um de seus ''nados''. Junção, organização, desenho e redesenho, avaliação, coloração, aquecimento ou resfriamento do espaço.  Pelo que entendi, queriam que eu tbm vociferasse , e aquilo no auge de um vendaval daqueles.  A primeira coisa que ouvi quando voltei a mim foi o uivo ensurdecedor daquele vendaval interminável, e mais as vozes que despertavam assustadas. Cada uma contribuía, ainda assim, para construir e ordenar um espaço de significações partilhadas, mergulhando, nadando, vivendo nele. 

K.M.

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