quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Consenso sobreposto e modus vivendi liberal.

Em certo sentido podemos asserir ,em tom de contestação , que a origem histórica do liberalismo político e econômico está em geral na Reforma Protestante e em suas consequências , com aquelas longas controvérsias sobre tolerância religiosa nos séculos XVI e XVII . E com alguma ironia, diríamos ainda que, como Hegel sabia muito bem , o pluralismo possibilitou a liberdade religiosa, algo que certamente não era a intenção de Lutero, muito menos a de Calvino.  Decerto,  a filosofia política da tolerância que seria desenvolvida por John Locke , no fim do século XVII, marcaria uma evolução notável na aplicação de conceitos fundamentais como justiça , liberdade e igualdade a esferas cada vez mais abrangentes do tecido social e das instituições públicas, econômicas e políticas . Basta lembrar que um autor como Hobbes , apesar de suas críticas  veementes à Igreja Católica e de ter sido aparentemente indiferente à religião ,se opôs taxativamente à tolerância religiosa e não aceitou nem mesmo os calvinistas e membros de outras seitas protestantes... O problema de tolerar diferentes concepções do divino, sob a ameaça constante de grandes heresias, apostasias e cisões , inevitavelmente nos remeteria, numa situação extrema , ao problema de até que ponto pode-se tolerar o intolerante . Antes da prática pacífica e bem-sucedida da tolerância em sociedades com instituições liberais, não havia como saber da possibilidade de uma sociedade pluralista estável e razoavelmente harmoniosa. Por isso , a intolerância foi aceita durante tantas décadas como fundamento social , mesmo depois da Reforma , como condição de ordem e estabilidade. O problema que se apresenta hoje guarda íntimas semelhanças com esse processo : de como sair do mero ''modus vivendi '' da tolerância liberal em direção a um consenso constitucional onde tais princípios possam ser efetivamente re-endossados e, posteriormente , encarnar o ideal de razão pública em práticas cotidianas que nos remetam ao consenso sobreposto, dentro do ''império da lei '' ou do chamado ''estado democrático de direito'' .

K.M.

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